17 de dezembro de 2012

Reconstruir a computação para deixá-la mais segura

Por Redação Link

Ele conheceu Einstein. Bolou o nome Unix. E depois de seis décadas ainda é pago para repensar a segurança das redes em todo o mundo

Muitos citam o aforismo de Albert Einstein: “Todas as coisas devem ser feitas da forma mais simples possível, mas nem um pouco mais simples que isso”. Poucos, porém, tiveram a oportunidade de discutir esse conceito à mesa do café da manhã com o físico alemão em pessoa.

Um deles foi Peter G. Neumann, que hoje trabalha como cientista da computação no SRI International, um laboratório de pesquisas da área de engenharia, com sede na Califórnia.

Neumman era estudante de matemática aplicada na Universidade de Harvard quando passou duas horas tomando café da manhã com Einstein. O que o jovem estudante guardou desse encontro, em 8 de novembro de 1952, foi uma filosofia que o acompanha há seis décadas e que ele usa como princípio para a área da computação e da segurança de redes e computadores.

Por muitos anos, Neumann foi uma voz solitária a chamar incansavelmente a atenção para o fato de que, na tecnologia, há uma forte tendência a repetir os erros do passado. Faz tempo que ele é um dos principais especialistas em segurança de computadores dos EUA. Previu, desde muito cedo, que as falhas de segurança que acompanharam a expansão desordenada da computação e da internet teriam consequências desastrosas.

“A maior contribuição dele foi chamar a atenção das pessoas para a característica ‘sistêmica’ dos problemas de segurança”, diz Steven Bellovin, executivo-chefe de tecnologia da Comissão Federal de Comércio (uma agência reguladora dos EUA). “Neumann mostrou que os problemas acontecem não por causa de uma falha, mas por causa do modo como várias peças interagem.”

Bellovin afirma que Neumann foi quem o fez ver que “sistemas complexos sofrem panes complexas” e que a complexidade crescente dos hardwares e softwares torna impossível identificar as falhas e as vulnerabilidades dos sistemas e garantir que eles sejam confiáveis.

O prognóstico se confirmou sob a forma de uma epidemia de malwares. Portanto, é admirável que, ao contrário da maioria de seus contemporâneos, Neumann continue na ativa.

Ele coordena uma equipe de pesquisa para reformular a maneira como é garantida a segurança de computadores e redes, num projeto de cinco anos financiado pela Darpa, agência de pesquisas avançadas em Defesa do Pentágono.

“Invisto contra os mesmos problemas há 40 anos”, disse Neumann durante um almoço num restaurante chinês de Palo Alto, na Califórnia, perto da casa repleta de obras de arte em que o cientista vive. “A minha sensação é a de que a maioria das pessoas que têm alguma responsabilidade nessa área fecha os ouvidos para a palavra ‘complexidade.’ Só se interessam por soluções fáceis e tacanhas.”

Desde cedo. Neumann, que se mudou para a Califórnia em 1970 levando consigo os três filhos pequenos de um casamento desfeito, ocupa há quatro décadas a mesma sala na sede do SRI.

Até pouco tempo atrás, antes de o edifício passar por uma reforma para a torná-lo resistente a terremotos, a sala de Neumann era conhecida pelas pilhas de livros sobre computação. Reza a lenda que os colegas que visitavam Neumann depois do terremoto de 1989 espantavam-se ao ver que, enquanto o tremor de 7,1 graus espalhara o caos, na sala dele tudo parecia no lugar.

Praticante de tai chi há décadas, Neumann é um homem esbelto e ágil, com olhos penetrantes e barba grisalha. Sua paixão, além da segurança de computadores, é a música. Domina diversos instrumentos, como o fagote, a trompa, o trombone e o piano, e toca em vários grupos. Nas conferências de segurança, os momentos em que Neumann estimula os colegas a soltar a voz já são tradição.

No mundo da computação, a segurança era uma área que vivia às moscas. Hoje é um setor multibilionário, e a tarefa de proteger a infraestrutura computadorizada dos EUA adquiriu uma importância maior. Barack Obama mencionou a questão na campanha eleitoral, dizendo que a segurança tecnológica é um assunto sobre o qual os norte-americanos “precisam começar a refletir” como parte da estratégia militar do país.

Neumann argumenta que a única solução definitiva e viável para situações de crise é estudar as pesquisas realizadas ao longo dos últimos cinquenta anos, selecionar as melhores ideias e então construir algo novo, começando da estaca zero.

Richard A. Clarke, autor de Cyber War: The Next Threat to National Security and What to Do About It (Ciberguerra: A Próxima Ameaça à Segurança Nacional e o que Fazer com Ela, sem edição brasileira) concorda que a ideia de começar do zero, como sugere Neumann, é essencial. “Faz 45 anos que as nossas redes não passam por uma reforma radical”, diz ele. “Refazer tudo custaria rios de dinheiro, mas o jeito é começar, ver se funciona e deixar a decisão para o mercado.”

Neumann é uma das pessoas mais qualificadas para liderar esse esforço de repensar a segurança. Ele participou de toda a trajetória da computação moderna. Seu primeiro emprego na área, em 1953, foi para trabalhar como programador com uma calculadora IBM que utilizava cartões perfurados.

Atualmente, o projeto feito pelo SRI em colaboração com a Universidade de Cambridge é uma das várias pesquisas financiadas pela Darpa como parte de um esforço de “resistência cibernética” iniciado em 2010. A premissa é: se o setor de computação pudesse ser reconstruído, o que deveria ser diferente?

A ideia é repensar por inteiro a computação, das pastilhas de silício em que os circuitos são gravados aos aplicativos utilizados pelos usuários e também aos serviços que guardam dados pessoais para data centers remotos.

Tempos modernos. Para Neumann, o aspecto mais frustrante é ver problemas que já foram tecnicamente solucionados – às vezes há quatro décadas – ainda atormentando. Um exemplo clássico é a “sobrecarga de memória”, em que um agressor manda um arquivo com uma longa sequência de códigos para inundar a memória do computador, travando o sistema e dando ao invasor a oportunidade de rodar um software malicioso.

Há quase 25 anos, Robert Tappan Morris, então aluno de pós-graduação da Universidade Cornell, empregou a técnica para espalhar um vírus pela internet, na época uma rede de 50 mil computadores. Neumann foi colega do pai de Morris e trabalhou com ele nos laboratórios Bell. Era amigo da família e se prontificou a testemunhar no julgamento do jovem programador, que dera uma de hacker sem a intenção de prejudicar ninguém. Morris foi condenado e multado e hoje é professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Esperança. A experiência deixou Neumann – que cunhou o termo “Unics” para descrever o esforço de programação que acabaria por desembocar na criação do sistema operacional Unix – ao mesmo tempo pessimista e otimista em relação ao futuro da computação.

“Sou otimista em relação ao que podemos fazer com a ajuda das pesquisas”, diz ele. “Mas sou pessimista quando me lembro do que fazem as empresas que devem satisfações a seus acionistas, pois estão sempre querendo fazer bonito no curto prazo.”

Agora Neumann está envolvido com as questões tecnológicas que cercam o voto eletrônico. Ao falar sobre os riscos a que esse tipo de voto está sujeito, ele gosta de citar Stalin: “Não é quem vota que conta, é quem conta os votos”.

Neumann cresceu em Nova York, mas sua família se mudou para a cidade de Rye, também no Estado de Nova York, onde ele cursou o ensino médio. Seu pai, J.B. Neumann foi um marchand de renome, primeiro na Alemanha e depois em Nova York, onde, em 1923, logo depois de chegar aos EUA, abriu a galeria New Art Circle. A mãe de Neumann, Elsa Schmid Neumann, era artista. O café da manhã que ele teve com Einstein aconteceu porque Einstein encomendou a Elsa um mosaico colorido, e os dois acabaram ficando amigos.

Atualmente o mosaico adorna uma das salas de leitura da principal biblioteca da Universidade de Boston. Para Neumann, a conversa com o físico ilustre foi o ponto de partida de um duradouro romance com a beleza e com os perigos da complexidade, algo a que Einstein fez alusão durante aquele café da manhã. “O que o senhor acha de Johannes Brahms?”, indagou Neumann ao físico. “Nunca entendi Brahms”, respondeu Einstein. “Acho que ele trabalhava até tarde tentando ser complicado.” / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

Fonte: O Estado de S. Paulo - 16/12/2012

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