23 de janeiro de 2012

O avanço da Starbucks

Rede americana dobra operação e chega a 64 lojas no Brasil, mas enfrenta desafio de concorrer com as milhares de padarias do País

Fernando Scheller, de O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O ano de 2011 foi de reflexão para a subsidiária brasileira da Starbucks. E não só por causa da crise financeira global - a rede também precisava reorganizar a própria casa. Depois de assumir o comando da operação brasileira em agosto de 2010 - ao comprar os 51% detidos pela família Rodenbeck na Cafés Sereia, que controlava o negócio no País -, a corporação empreendeu uma expansão discreta, com a abertura de oito novas lojas em 2011, para um total de 32 cafeterias. Para este ano, no entanto, as metas da gigante americana para o País são bem mais ambiciosas: a ordem é dobrar a operação local, que chegará a 64 unidades até o fim de 2012.

A decisão de dar o necessário empurrão à filial brasileira - que ainda é semelhante à argentina em número de lojas - veio por duas razões: o apetite do CEO mundial Howard Schultz em abrir novas frentes de crescimento e a falta de uma concorrência forte no mercado de cafeterias no País. "Houve um período de reorganização interna para garantir o crescimento de maneira rápida e sólida", afirma o diretor-geral da Starbucks Brasil, Ricardo Carvalheira.

A oportunidade para o grupo americano foi criada principalmente pela dificuldade das cafeterias nacionais de financiar a própria expansão, na avaliação de Alexandre Adoglio, fundador da rede Cafeera, que chegou a ter quatro lojas e foi comprada pela Ipanema Coffees - a empresa, sob a gestão da Gávea, foi obrigada a encerrar a atividade de varejo ao virar fornecedora da Starbucks no mercado nacional, em 2006. "A expansão no mercado nacional depende de fôlego para investir, que é justamente o que a Starbucks tem", diz Adoglio, que saiu do setor e hoje comanda uma empresa de negócios pontocom, a Tigital.

A capacidade financeira para crescer rapidamente é um dos trunfos da Starbucks, grupo que faturou US$ 11,7 bilhões no ano fiscal de 2011 e tem US$ 2 bilhões disponíveis em caixa para investir no curto prazo - dinheiro suficiente para abrir mais de mil novas lojas no mundo.

São cifras com as quais as redes de cafeteria nacionais não podem concorrer. Dentro do nicho específico da Starbucks - lojas amplas, em que o cliente pode tomar um café enquanto lê uma revista ou navega na internet sem fio -, a maior parte da concorrência local é formada por operações de pequeno porte, como a Suplicy e a Santo Grão. "Não há nenhuma grande rede de cafeteria no Brasil. E a Starbucks tem uma marca boa o suficiente para ocupar esse espaço", diz o consultor Marcelo Cherto, especializado em franquias.

A única empresa do ramo com número relevante de lojas é o Fran’s Café. São 130 unidades, no modelo de franquia, com faturamento anual de aproximadamente R$ 100 milhões. "Acho que o Fran’s Café perdeu uma oportunidade de dominar o mercado. As lojas envelheceram e ficaram mal cuidadas", diz um consultor ouvido pelo Estado que prefere não ser identificado.

O fundador da rede, Francisco Conte, admite dificuldades administrativas nos últimos anos. Ele e seus dois sócios repassaram 20% do negócio e a administração da empresa para uma consultoria. Depois de acompanhar a deterioração dos resultados, decidiram recomprar a participação cedida. Foi nesse intervalo que a expansão ficou comprometida. Conte espera recuperar parte do tempo perdido com a abertura de pelo menos 30 lojas ainda este ano. "Já tenho 15 unidades em obras", adianta. Conte enfrenta dificuldades, porém, para a reforma das lojas, cuja renovação depende da boa vontade dos franqueados. "O investimento fica próximo de R$ 100 mil."

Consumo

A Starbucks também tem a seu favor as estatísticas relativas ao forte aumento do consumo de café fora de casa. A categoria, que inclui o cafezinho tomado em escritórios, restaurantes, padarias, cafeterias e redes de food service, cresce pelo menos três vezes acima da média do mercado e ajuda a aumentar o consumo per capita no País, que está em 79 litros de café por ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). O patamar está próximo ao de países de clima frio como Estados Unidos, Alemanha e França. Em números absolutos, o Brasil é o segundo maior consumidor de café do mundo, atrás apenas do mercado americano.

Além disso, o nível de informação do brasileiro sobre a bebida aumentou muito nas últimas décadas, na visão do consultor Marcelo Cherto. Durante décadas, até o governo Collor, o café foi incluído na cesta básica e teve o preço tabelado. Isso contribuiu para que somente o produto de pior qualidade permanecesse no País, enquanto os grãos superiores eram exportados. "É por isso que no Brasil as pessoas são acostumadas a tomar café com açúcar. Era para tirar o gosto amargo de um produto ruim", explica Cherto. "Nós só aprendemos o que é café de verdade nos últimos 20 anos."

Coxinha e empada

Para viabilizar a maior expansão desde que chegou ao País, a Starbucks preocupou-se em se adaptar à realidade brasileira. A operação já nasceu vendendo pão de queijo, incluiu variedades de brigadeiro ao cardápio e agora começa a vender coxinhas de frango e empadinhas. "Nossos clientes podem encontrar sua bebida nos 53 países onde temos lojas. Mas também identificamos algumas bebidas e comidinhas que fazem parte da cultura local e que enriquecem a experiência em nossas lojas", explica Carvalheira, da Starbucks Brasil.

Outra medida da companhia foi priorizar as lojas em shopping centers. Das 32 cafeterias da Starbucks no País, 23 estão nesses centros comerciais. Os shoppings Eldorado e Morumbi, em São Paulo, somam quatro unidades da rede, que não sofrem "canibalização", segundo Carvalheira. A empresa também está buscando abrir outros nichos, como os centros empresariais e os câmpus universitários. "A Starbucks é uma marca que possui fãs como clientes. Pudemos notar que o jovem é um cliente fiel, o que nos levou a investir em uma loja na Anhembi-Morumbi", afirma o executivo, que trabalhava com a família Rodenbeck e sobreviveu à mudança de comando da companhia.

Carvalheira afirma que a ideia da Starbucks é ter lojas em todo o Brasil, mas o Estado apurou que, ao menos por enquanto, a rede vai concentrar a expansão no Rio de Janeiro e em São Paulo, territórios já testados, com posterior avanço para a Região Sul. De acordo com Alexandre Adoglio, a estratégia é acertada, uma vez que um dos desafios do crescimento no País são as diferenças regionais. "É um mundo diferente da Europa e dos Estados Unidos, onde essa padronização é muito mais fácil", diz o ex-dono da Cafeera.

Apesar de representar um salto de 100% em número de cafeterias, a subsidiária brasileira ainda será insignificante quando se considera o porte da Starbucks, que tem quase 11 mil lojas apenas nos Estados Unidos. No universo da rede, o Brasil assumirá até o fim do ano uma distante segunda colocação na América Latina, atrás do México (veja quadro ao lado). O valor aplicado no País, considerado o custo médio de R$ 500 mil a R$ 1,5 milhão por loja, ficará ao redor de R$ 30 milhões, valor irrisório diante do investimento total do grupo.

Desafios

Para atingir uma hegemonia semelhante à que goza no exterior, no entanto, a Starbucks terá de mirar "inimigos" bem mais poderosos do que as redes de cafeteria locais. Isso porque, ao contrário do que ocorre na América do Norte e na Europa, onde a disputa se dá com redes similares, como a canadense Second Cup ou a britânica Costa, no Brasil o "corpo a corpo" é bem mais complexo.

A Casa do Pão de Queijo, com mais de mil pontos de venda no País, é a maior vendedora individual de cafezinho no mercado nacional. Redes como Rei do Mate e as chocolaterias Kopenhagen e Cacau Show também disputam o consumidor da Starbucks. Mas, segundo Nathan Herszkowicz, diretor executivo da associação da indústria de café, o maior empecilho para o avanço da gigante americana em território brasileiro são as 52 mil padarias espalhadas pelo País, pontos de venda de cafezinho sedimentados no imaginário do brasileiro. "As padarias são a nossa versão da Starbucks", afirma Herszkowicz.

Fonte: O Estado de S. Paulo - 22/1/2012

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