19 de agosto de 2013

Informe New York - País rico, salário pobre

Fonte: Brasil Econômico - 19/8/2013

Trabalhar em cadeia de fast food já foi a alternativa para estudantes custear seus tempos de estudo. Hoje em dia, não é mais nada disso. O trabalho nesses estabelecimentos é meio de vida, ou de subsistência.

A Austrália já provou que é possível. Agora, os norte-americanos também querem. Por lá, o salário mínimo é de US$ 15,00 por hora e quem trabalha nas cadeias de fast food ganha um pouquinho mais, US$ 17,98. Nos Estados Unidos, onde as cadeias nasceram, os funcionários ganham o salário mínimo, US$ 7,25.

Pouco menos da metade. E não é só isso. Os trabalhadores australianos têm uma série de garantias: seguro de saúde, férias remuneradas, dias de folga por conta de doenças... Nada disso se aplica às relações trabalhistas dos colegas norte-americanos que quase sempre trabalham meio expediente em duas cadeias diferentes para, mais ou menos, pagar as contas no fim do mês.

Trabalhar em cadeia de fast food já foi a alternativa de estudantes em busca de um trocado para ajudar a pagar a faculdade ou os custos da sobrevivência enquanto se dedicam aos estudos. Hoje em dia, não é mais nada disso.

O trabalho nesses estabelecimentos é meio de vida, ou de subsistência. Isso explica o surgimento das greves de um dia que começaram há um ano, sem muito falatório na imprensa, mas estão se espalhando para um número cada vez maior de cidades do país.

A primeira, em novembro, se limitou a Nova York. Em abril, cinco cidades aderiram. A última, no mês passado, atingiu sete centros urbanos. Não são greves no sentido tradicional. Os restaurantes fast food funcionam normalmente. Mas alguns funcionários saem do trabalho no horário do expediente e ficam diante do estabelecimento comercial com cartazes, contando à população o que passam e como vivem.

O objetivo é sensibilizar a sociedade e mobilizar os políticos para garantir um salário mínimo mais digno. Assim, eles levam a briga para o âmbito nacional, para o Congresso. E evitam o confronto quase impossível com os donos das franquias.

Mesmo sem chance de se sindicalizar, os trabalhadores das cadeias de fast food conseguiram organizar uma pauta mínima: exigem um salário de sobrevivência. Um piso que torne possível viver com o que se ganha nesses empregos. Para eles, este patamar é US$ 15,00 por hora o que ainda deixa os australianos um pouquinho na frente.


Com o dobro da remuneração para quem está na base da pirâmide, a Austrália se tornou uma referência para os norte-americanos. Como é que eles conseguem fazer isso sem provocar uma alta generalizada nos preços? Inflação para todo mundo? Sem quebrar o país? E olha que o BigMac, o sanduíche mais vendido do McDonald's, custa US$ 4,94 enquanto nos Estados Unidos ele custa US$ 4,20. Ainda assim, dizem que a diferença é culpa da queda do dólar que tornou os sanduíches australianos um pouquinho mais caros.

Para tornar o exemplo ainda mais tentador, a Austrália foi o único país rico do mundo que não sofreu as consequências desastrosas e dolorosas da recessão que ainda penaliza os assalariados de boa parte do mundo. O país não teve crescimento zero ou queda do crescimento econômico em nenhum trimestre. Apenas uma pequena desaceleração das contratações, em 2008, que logo se recuperou e retomou o ritmo normal.


Salvatore Babones, sociólogo e professor de política social, dá palestras na Universidade de Sidney, na Austrália, e é membro do Instituto de Estudos Políticos em Washington, capital dos Estados Unidos. Com um pé lá e outro cá, está muito bem posicionado para explicar as diferenças. Por isso, tem aparecido com frequência em publicações e programas de tevê aqui em Nova York.

Ele diz que os Estados Unidos pararam no tempo. Lá atrás, nos anos 50 e 60 no que diz respeito à ideia de como deve ser a vida dos trabalhadores da base da pirâmide salarial. Nos demais países do primeiro mundo, os caixas de supermercado e funcionários das cadeias de fast food vivem bem melhor do que nos Estados Unidos. Salvatore Babones é defensor ferrenho do aumento do salário mínimo, o que contraria a direita americana agora empenhada na campanha de eliminar o mínimo como forma de incentivar a geração de empregos.

É fácil entender o raciocínio do professor. Babones disse ao programa DemocracyNow!: "Se você aumenta o salário mínimo, as pessoas ganham mais dinheiro. Quando as pessoas ganham mais, elas gastam mais, pagam mais impostos. Todo o perfil da economia se transforma". É o inverso do raciocínio apregoado e difundido a partir da eleição do ex-presidente Ronald Reagan. Ele pregava o "trickle down economics", a ideia de que o importante era encher a panela dos ricos para ela transbordar e, com a sobra, banhar a ralé com as migalhas do crescimento econômico. Não é nem crescer o bolo para depois dividir...

O cálculo do professor segue a rota oposta. Aumente um pouco a renda da base da pirâmide para ver o que acontece com a economia toda. Foi o que se viu no Brasil da última década. Mas nos Estados Unidos, o pensamento da era Reagan se enraizou de uma maneira tão profunda que até mesmo os democratas embarcaram na canoa do hiper individualismo. Na filosofia do estado mínimo e do lucro máximo.

Como lembrou o professor Marty Kaplan, da Universidade do Sul da Califórnia em artigo recente, publicado na internet, talvez seja hora de reler o sociólogo Robert Bellah. Em 1985 ele publicou o livro "Habits of the Heart". E, já naquela época, quando Reagan apenas começava seu segundo mandato presidencial, o sociólogo alertava: "o individualismo radical parece ter crescido de forma cancerosa e pode ameaçar a própria sobrevivência da liberdade". Para os trabalhadores das cadeias de fast food, é a liberdade de pagar a conta do supermercado, o aluguel, o gás e a luz que está em jogo. Sem falar na oportunidade de, uma vez por ano, passar duas semanas de férias sem perder o salário.

Parece coisa do além que mais de quatro milhões de trabalhadores dos Estados Unidos, a chamada potência mundial, ou o país mais rico do mundo, ganhem o salário mínimo, ou menos. E que nas cadeias de fast food, o troca-troca de emprego atinja 75% da mão de obra. Ou seja, a grande maioria dos funcionários não chega a completar um ano no emprego quando já está procurando outra maneira de ganhar a vida.

Cem economistas do país assinaram uma carta pedindo ao Congresso que tome providências e aumente o salário mínimo. Corrigido para valores atuais, ele era três dólares mais alto em 1968. Se as cadeias de fast food concordassem com o aumento reivindicado agora e repassassem o custo completo para o consumidor, o famoso Big Mac subiria apenas sessenta e oito centavos. Claro que as franquias podem absorver parte do aumento. Mas mesmo se não pudessem, não seria um grande peso para o consumidor custear um salário mínimo compatível com o dos trabalhadores australianos. E a economia, como um todo, com certeza se beneficiaria com o ingresso de uma nova massa de consumidores no mercado.

A coluna é publicada às segundas-feiras

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