02 de setembro de 2011

Governo pode pôr fim a PIS/Cofins para café

Por Gerson Freitas Jr. | De São Paulo

O governo pode publicar nas próximas semanas uma Medida Provisória (MP) alterando o regime tributário da cadeia do café. A mudança, que está na pauta do Ministério da Fazenda há mais de um ano, divide opiniões e provocou um verdadeiro racha no setor. A proposta com mais força neste momento - acordada no último dia 19, no Ministério da Fazenda - suspende a cobrança do PIS/Cofins sobre as vendas de café verde e estabelece créditos presumidos tanto para a exportação quanto para a indústria torrefadora.

Se a medida for ratificada, os embarques de café verde, que permitem ao exportador restituir 100% do PIS/Cofins já recolhido durante as etapas de produção, beneficiamento e transporte, teriam um crédito presumido de 10% da alíquota. Já as torrefadoras que vendem ao mercado interno teriam crédito presumido de 80%. Hoje, podem deduzir dos impostos que pagam todo o PIS/Cofins recolhido nas etapas anteriores.

O pedido de mudança partiu do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), em maio de 2010, e ganhou a adesão da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics) e da Cooxupé, maior cooperativa de produtores de café do país, e é inspirada no modelo adotado para a indústria de carne.

Eles argumentam que o sistema atual prejudica os agricultores, estimula fraudes e sonegações e gera uma concorrência desleal entre grandes e pequenas torrefadoras - além de dar um prejuízo de cerca de R$ 600 milhões aos cofres públicos, resultado da diferença entre os estímulos dados ao setor e os impostos recolhidos. As líderes do mercado, Sara Lee e 3Corações, supostamente as grandes vencedoras nesse modelo, colocaram-se contra a proposta - o que as levou a abandonar a Abic.

As distorções começam ainda na porteira, quando o produtor vende seu café para as indústrias e firmas comerciais. Como são, em sua grande maioria, pessoas físicas, os cafeicultores não recolhem PIS/Cofins. Por essa razão, não geram um crédito correspondente à alíquota do imposto, de 9,75%. Em vez disso, o comprador tem direito apenas a um crédito presumido, de 3,41% (35% dos 9,75%), que ele usa para abater seu imposto. Por outro lado, quem compra de um produtor com firma aberta ou mesmo de uma cooperativa recebe o crédito integral de 9,75%.

Isso faz com que os torrefadoras e exportadores prefiram comprar desses agentes, às vezes impondo descontos sobre o preço do café vendido pelo agricultor que não possui CNPJ. O problema está na raiz do esquema de sonegação fiscal desvendado pela Polícia Federal na Operação Brocas, no ano passado. Empresas "laranjas" do Espírito Santo eram usadas como intermediárias na compra de café junto a produtores, o que causou um prejuízo estimado em R$ 280 milhões aos cofres públicos.

Os exportadores tradicionais reclamam ainda de uma "competição desleal" por parte das grandes torrefadoras - notadamente, Sara Lee e 3Corações. Elas começaram a exportar café verde nos últimos anos e rapidamente ganharam participação nesse mercado. Assim como qualquer exportador, essas torrefadoras têm isenção de PIS/Cofins nos embarques de café verde. Com uma vantagem: enquanto as firmas comerciais acumulam créditos que "micam" na Receita Federal, a indústria pode-se usá-los para abater impostos relativos aos produtos que vendem no mercado interno. "As indústrias realizam esses créditos rapidamente, enquanto as firmas comerciais esperam anos para receber", reclama um exportador.

De acordo com a Secex, a indústria exportou cerca de US$ 1,3 bilhão em café verde em 2010 - o que teria gerado um crédito de aproximadamente R$ 126 milhões. "Isso dá a elas uma vantagem para competir tanto com as indústrias menores quanto com os exportadores", queixa-se o exportador. Ainda de acordo com as entidades que pedem a mudança na legislação, a diferença no tratamento tributário deu grande impulso ao processo de consolidação vivido pelo setor nos últimos anos.

Procuradas pela reportagem do Valor, Sara Lee e 3Corações preferiram não se pronunciar. Informaram apenas que estão acompanhando o assunto e que consideram o atual sistema tributário "adequado". Elas também não revelam seus volumes de exportação de café verde, tampouco o montante de créditos tributários resultantes dessa operação.

Recentemente, as duas empresas deixaram a Abic, entidade que congrega as torrefadoras, e se filiaram à Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia), que passou a representá-las nas discussões sobre o novo PIS/Cofins. A Abia também não se manifestou oficialmente sobre a questão, mas defende que a mudança proposta pelos exportadores e pela Abic vai onerar ainda mais a cadeia e, em última instância, o consumidor. Os exportadores reconhecem um pequeno aumento na carga tributária, mas argumentam que o ônus será compensado por uma "competição mais justa".

Fonte: Valor Econômico - 2/9/2011

Abic quer fortalecer pequenas e médias

Aos 81 anos, o empresário Américo Sato assumiu, em junho, a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) com uma missão: recuperar a lucratividade das torrefadoras. Nos últimos anos, diz, o setor viu suas margens caírem em meio ao acirramento da competição e à escalada dos preços do café verde, que representam cerca de metade da pauta de custos. "De modo geral, a indústria está em uma situação difícil. Nos últimos dez anos, quase 15% da empresas desapareceram e várias foram incorporadas."

Sato argumenta que o preço do café torrado e moído, entre os produtos alimentícios, foi o que menos subiu nos últimos anos. Por isso, muitas empresas se viram obrigadas a apostar em produtos de pior qualidade, o chamado café de "combate", para se manter ativas. "Essa foi uma estratégia muito prejudicial. Todos perderam", conclui.

Para ele, a única chance de as pequenas e médias torrefadoras - a imensa maioria entre as mais de mil espalhadas Brasil afora - sobreviverem é apostar na qualidade. "Entendemos que essas empresas devem investir em seus mercados locais, identificar nichos e oferecer produtos diferenciados", afirma.

Uma das estratégias, prometidas para 2012, é um novo sistema de classificação para o produto vendido nos supermercados. "Atualmente, 88% do café é vendido com o selo de "tradicional". Só que esta é uma categoria que inclui de produtos bons a muito ruins". Com o novo sistema, desenvolvido em parceria com a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), a Abic quer eliminar essa "vala comum" e segmentar o produto exposto nas gôndolas, a fim de disputar um consumidor mais interessado na qualidade do que em preço.

Sato nega que a saída de Sara Lee e 3Corações, responsáveis por mais de um terço do mercado nacional, enfraqueça a entidade. "Ainda temos grandes empresas na direção da Abic. Não vamos perder representatividade". O empresário afirma ainda que o mercado vai continuar a assistir a fusões e aquisições entre torrefadoras, mesmo na hipótese de o governo rever o sistema tributário. "O ritmo será menor, mas a consolidação não vai acabar", afirma.

O presidente da Abic conta ainda que recebeu um recado da presidente Dilma Rousseff. "Ela quer que o setor agregue valor às exportações", revela. "É uma visão de estadista, com a qual concordamos, mas vamos precisar de apoio do governo para competir lá fora."

Fonte: Valor Econômico - 2/9/2011

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