Estima-se que 80% do café mundial seja produzido por pequenos produtores, e como diz a piada, os 20% restantes estão no Brasil! De fato, o Brasil concentra uma grande parte dos produtores médios e grandes de café do mundo, mas em geral, a área média com café nas fazendas brasileiras é de 7 hectares e o número de pequenos produtores é muito maior que o de produtores de outros tamanhos. Uma vantagem do Brasil talvez seja a legislação que evita a subdivisão da terra agrícola abaixo de uma área mínima necessária para que seja economicamente viável, considerando as atividades que predominam em determinada região. Em outras palavras, a subdivisão da terra tem um limite que quando alcançado, obriga os herdeiros a gerir a propriedade conjuntamente, como um todo.
Se o mercado de café se preocupa com a sustentabilidade de sua cadeia de suprimento, e se 80% do café do mundo é produzido por pequenos produtores, a pergunta principal a ser feita é se o pequeno produtor será sustentável no médio e longo prazos. De um lado, a tendência é que o tamanho da fazenda média de café diminua como resultado das subdivisões por herança. De outro, não somente o custo de vida está crescendo, mas as aspirações dos produtores também aumentam como resultado natural do desenvolvimento. Para piorar as coisas, sabemos que no longo prazo a tendência é que o preço real das commodities caia como consequência da tecnologia e outros fatores. Realmente não é um cenário promissor!
Talvez as forças de mercado ou a intervenção governamental darão conta do problema e causarão grandes fluxos de migração das zonas rurais para as urbanas e a criação de favelas como já aconteceu em alguns países e agora ocorre em outros. Este processo pode levar a uma atividade agrícola mais sustentável, mas criará um mundo mais sustentável?
As deseconomias de escala envolvidas na exploração agrícola de pequenas propriedades são enormes, especialmente no que tange a acesso à tecnologia, um tema que conhecemos bem no pós-colheita do café e do cacau. O preço do equipamento de benefício úmido de café apenas dobra quando a capacidade quadruplica. Um secador grande de café ou cacau custa apenas o dobro que o preço de um secador pequeno com capacidade de um décimo do primeiro. Um processo parecido ocorre com outros tipos de equipamento, por exemplo, tratores e pulverizadores e mesmo na irrigação. As tentativas de desenvolver equipamentos específicos para pequenos produtores em geral podem ser exitosas na parte técnica, mas falham em relação a reduzir os preços, às vezes profundamente. Este fenômeno é agravado pela falta de acesso a crédito para que os pequenos produtores possam adquirir máquinas e também insumos.
O tema de crédito nos leva a outro problema que aflige o pequeno produtor de café: seu poder limitado de negociação não apenas quando compra insumos e equipamentos, mas também quando vende sua colheita. Não é preciso um doutorado em economia para entender que, em média, um pequeno produtor paga mais e vende por menos que um produtor médio ou grande, da mesma forma que produtos geralmente custam mais numa lojinha de esquina de baixa renda do que num supermercado de classe média.
Assim, ao pequeno produtor resta sua própria mão de obra de baixo custo como uma vantagem comparativa, ainda que ele ou ela seja, por vezes, forçado a "consumir" suas escassas economias ou seu capital limitado. A verdade é que a mão de obra de baixo custo é apenas "vendida" ou computada (ou não) numa taxa abaixo do nível de mercado. Sem exageros, as perspectivas não são favoráveis para os pequenos produtores. Há uma saída?
A receita pode ser mais simples do que se pensa: reverter o processo. Ao invés de fazer com que a tecnologia seja compatível com a agricultura "pequena/familiar" e subsidiar crédito aos pequenos produtores, o foco deveria ser juntar os produtores para que possam se beneficiar das economias de escala em tecnologia e ganhar poder de barganha ao comprar e vender em grupo. Compartilhar equipamentos, instalações de processamento coletivas, compras e certificação em grupo e esforços conjuntos para comercializar café são alguns caminhos a seguir. Isto é mais fácil falar que fazer, logicamente, mas será que estamos nos esforçando o suficiente?
As cooperativas existem há muito mais de 100 anos e as associações de produtores tampouco são recentes, embora sua utilização não seja tão generalizada como se gostaria. Talvez estas formas tradicionais de associação tenham que ser atualizadas ou renovadas, e outras maneiras inovadoras de associação, adaptadas à cultura local e às condições do país, tenham que ser desenvolvidas para atender às necessidades dos micro e pequenos produtores de café, e pra apoderá-los antes que desapareçam no longo prazo. As barreiras reais podem ser mais comportamentais e sociológicas que técnicas, e devem ser tratadas como tal. Este é o desafio para governos, agências e empresas dedicadas aos problemas do pequeno produtor de café.
Fonte: CaféPoint / 13/11/2012