Júlio Gomes de Almeida - Economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e professor da Unicamp
Competir com a China é muito complexo porque esse país, simultaneamente, é e não é uma economia empresarial de mercado. É uma economia empresarial pelo lado da feroz concorrência interna entre os produtores locais; não é porque o mercado não tem determinância na expansão do crédito e na taxa de juros e no câmbio, que são manejados segundo os objetivos da política econômica.
Além disso, o estado é forte indutor do crescimento econômico, executa políticas industriais muito intervencionistas e está presente em empresas dos mais diversos setores e por ele transitam os investimentos da infraestrutura.
Tudo isso reunido, traz múltiplos significados: parte expressiva do investimento da economia chinesa é autônoma; não há restrição de financiamento às inversões públicas ou privadas já que o setor financeiro é concebido para servir à economia real e não o inverso; e a taxa de câmbio administrada assegura competitividade externa do produto chinês.
Enfim, a política econômica e a economia estão orientadas para o crescimento e para o avanço tecnológico, o que vai renovando o poder econômico da China e está rompendo a antiga dependência das exportações do país à mão de obra barata.
Se a concorrência interna é intensa, a projeção externa das empresas que irão concorrer no exterior é matéria de estado, da mesma forma que é de alçada superior o uso do poder financeiro em moeda estrangeira acumulado pelo país para a abertura de fontes de matérias primas e de mercados para os produtos chineses.
A crise deu grande visibilidade a esta peculiar reunião de instrumentos de mercado e não-mercado e tornou ainda mais profunda a influência da maior economia emergente sobre as economias de praticamente todos os países do mundo.
Nesse quadro, o Brasil não é exceção, de modo que além da intensa articulação que já vinha sendo construída com a China a partir das commodities, passa a vivenciar uma crescente presença do produto chinês em terceiros mercados onde o produto brasileiro mantinha participação e no seu próprio mercado consumidor.
Uma pesquisa desenvolvida pelos professores Rhys Jenkis e Alexandre de Freitas Barbosa para o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) mostrou que a exportação brasileira vem rapidamente perdendo posições para a China no Mercosul e que a penetração das importações desse país na indústria brasileira, embora crescente, apenas deu seus primeiros passos.
O produto chinês representa ainda pouco da oferta industrial interna comparativamente à média dos demais países que exportam para o Brasil.
Mas, mesmo em um estágio inicial, já é claro onde a supremacia da China mais se desenvolverá: nos setores de maior valor agregado e intensidade tecnológica, como na indústria eletrônica, aparelhos de telecomunicações, componentes eletrônicos e máquinas e equipamentos. Estamos preparados para o que ainda está por vir?
Este artigo é uma singela homenagem a Antônio Barros de Castro, falecido no último domingo. Grande historiador e um dos maiores economistas do país, foi professor da Unicamp e da UFRJ e presidiu o BNDES.
Um de seus temas prediletos de estudo vinha sendo a ascensão chinesa e a influência disto nos rumos da industrialização brasileira.
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Julio Gomes de Almeida é economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e professor da Unicamp
Fonte: Brasil Econômico - 25/8/2011