Miguel Setas - Vice-presidente de Distribuição e Inovação da EDP no Brasil
Na semana passada, o Google anunciou a compra da Motorola Mobility por mais de US$ 12,5 bilhões. A Motorola Mobility é licenciada do sistema operacional móvel da Google - o Android -, que atingiu no 2º trimestre de 2011 uma participação de quase 50% nos smartphones vendidos em todo o mundo.
O Google é de longe o site de busca mais utilizado pelos internautas e converteu-se em poucos anos em uma das marcas mais valiosas do mundo. Segundo a Brand Finance, hoje é a mais valiosa, avaliada, em 2011, em US$ 44 bilhões.
O Google deu assim mais um importante passo no controle e consolidação de uma rede planetária de conectividade e mobilidade, naquilo que podemos chamar de uma "googlização" da internet.
Mas a internet não só se "googliza", como se "globaliza" com velocidade alucinante.
Nos últimos 10 anos, o número de utilizadores da internet cresceu quase 500%. São hoje mais de 2 bilhões de utilizadores em todo o mundo. Uma penetração de cerca de 30%. Na Europa já ascende a mais de 58% e o Brasil é o campeão destacado da América Latina com mais de 35% de penetração.
A internet é hoje uma "rede líquida", em que informação e conhecimento fluem sem restrições (apesar da resistência chinesa...), conectando um "cérebro global" de inteligência de silício e de carbono.
Foi também este "cérebro global" que possibilitou, juntamente com uma desregulação financeira, a total integração dos mercados internacionais.
Os credores de nações soberanas estão hoje nos quatro cantos do mundo atrás de uma tela de computador dando ordens de compra e venda da dívida desses países e provocando transferências maciças de riqueza de contribuintes empobrecidos pela crise para estes investidores especulativos - "os mercados", como gentilmente lhes chamamos.
A crise financeira que passamos veio expor as fragilidades deste modelo econômico global. Em 2009, à época Gordon Brown, o primeiro-ministro britânico, cunhou um neologismo referindo-se a uma possível "desglobalização", na Conferência Anual do Fórum Econômico Mundial de Davos.
Os sinais são inequívocos. Veja-se o crescente sentimento de nacionalismo que emerge na Europa, que até já se traduziu no retomar do controle de fronteiras em países como a Dinamarca, ou no ressurgimento dos movimentos de extrema-direita.
O próprio "Buy American" do Presidente Obama, as medidas de protecionismo comercial e de controle de capitais em muitos outros países, incluindo o Brasil, ou mesmo o resultado do referendo popular Islandês recusando o pagamento dos prejuízos causados a investidores europeus pela falência de um banco privado.
Após algumas décadas de submissão à ditadura dos mercados internacionais, os Estados-nação estão tomando consciência e sendo demandados pelos seus cidadãos da necessidade de reafirmarem a sua soberania.
Eles são a única instituição reguladora a poder ocupar espaço entre o excesso da finança globalizada e os indivíduos e instituições, perante os quais um Estado democrático responde. É assim muito provável que assistamos ao crescimento da importância política dos Estados territoriais, reafirmando o seu papel soberano. Como diz o economista francês Frédéric Lordon "desglobalizar é repolitizar".
Em suma, enquanto o cérebro do mundo se "globaliza" e se "googliza", o espaço político e econômico tende a fragmentar-se com mais atuações protecionistas e a evoluir para uma "desglobalização" anunciada. Veremos como o mundo se equilibra.
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Miguel Setas é vice-presidente de distribuição e inovação da EDP no Brasil
Fonte: Brasil Econômico - 24/8/2011