04 de dezembro de 2012

Desculpa, filho

Marcelo Nakagawa - Professor e Coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper

Como pai, dois pequenos detalhes me deixam particularmente chateado: não dizer bom dia quando minha filha de 3 anos acorda e não dar um beijo de boa noite quando ela vai dormir.

Naquele dia eu estive ausente da sua vida e isto representa um pequeno fracasso da minha. Estar presente é um dos meus KPIs de sucesso.

E este fracasso não é só meu.

Agora, quando as festas de final de ano se aproximam, muitos pais se dão conta que mais um ano se passou. Seu filho espera aquele presente, mas você perdeu o seu, pois virou passado.

Neste ano, presenciei, emocionado, alguns grandes empreendedores pedindo desculpas por isso a seus filhos diante de plateias lotadas. De todas as histórias, a do Eloi D'Avila de Oliveira é mais épica.

Se havia alguém para dar errado no Brasil, ele deveria estar no topo da lista. Sua família vivia de favor em um sítio em Esteio, Rio Grande do Sul, e Elói ficou órfão de mãe quando tinha um ano e nove meses.

Ele e seus 14 irmãos perderam o pai logo em seguida. Foi morar com sua irmã, que, aos 14 anos, era casada com um alcoólatra. Ainda criança, era obrigado a vender pastéis nas ruas de Porto Alegre e, depois, a comprar cachaça para o seu cunhado, que o agredia durante suas bebedeiras.

Humilhado, fugia de casa, mas era pego e enviado de volta para casa, onde a violência se repetia. Isto só piorou sua timidez e gagueira. Fugiu novamente e pegou caronas rumo a São Paulo. Foi parar na cidade catarinense de Mafra, onde trabalhou em uma padaria.

Em certo momento, deixou cair alguns pães no chão e recebeu um soco na boca, perdendo todos os dentes da frente.

Tinha 9 anos! Fugiu mais uma vez e conseguiu chegar a São Paulo. Vendia jornais, lavava carros e pedia esmolas. Quando tinha dinheiro, dormia em albergues, quando não, ficava na rua.

Aos 12 anos, decidiu ir para o Rio de Janeiro. Começou a lavar e guardar carros em frente ao Copacabana Palace. Com pena, os funcionários do hotel o apresentaram para a agência de viagens Stella Barros.

Conseguiu um emprego de office boy. Mas logo a Vovó Stella descobriu que Elói era um menino de rua. Em vez de mandá-lo embora, permitiu que passasse a dormir na agência. E mais, pagou dentista para consertar seus dentes e o ensinou a falar, comer e escrever, já que ele nunca tinha ido a uma escola.

Mas Elói teve que voltar para São Paulo para ficar perto da sua irmã, que tinha se mudado de Porto Alegre. Trabalhou na Bradesco Turismo e depois nas Linhas Aéreas Paraguaias. Poucos anos depois, em 1971, abriu um negócio para vender passagens aéreas.

Hoje, sua empresa, a Flytour, é a maior em seu segmento no Brasil, tendo faturado R$ 3,1 bilhões com a venda de 8,2 milhões de trechos aéreos e 2 milhões de diárias de hotel em 2011.

Era esse o pai que pedia desculpas aos filhos naquela noite. Mas acho que seus filhos não aceitaram o pedido. Não havia o que desculpar. Filhos de empreendedores reconhecem, em algum momento de suas vidas, que seus pais não estavam ausentes porque estavam trabalhando.

Eles estavam construindo seus sonhos, batalhando por seus ideais e ajudando a vida de outras pessoas.

Lembrei de Vik Muniz, que pensou em buscar um emprego "normal" quando se filho nasceu e ainda era um artista desconhecido. Mas felizmente chegou à conclusão de que a única coisa que seu filho não o perdoaria é de ter desistido de fazer o que gosta.

E eu me sentia muito gratificado em ter conhecido o Elói naquele momento em que não estava dando um beijo de boa noite em minha filha.

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Marcelo Nakagawa é Professor e coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper

Fonte: Brasil Econômico - 4/12/2012

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