Marcio Pochmann - presidente do Ipea
O recente reposicionamento brasileiro no mundo é inegável, seja pela elevação do seu peso relativo na riqueza global, seja por sua crescente influência geopolítica.
Após duas décadas de esvaziamento nacional, expresso pela queda de 16,9% na participação do país na produção global entre 1980 e 2000 e pelo apequenamento da presença política no cenário mundial, como visto no apoio à malfadada Alca (Área de Livre Comércio das Américas), o Brasil passou a emergir sobre novas bases.
Somente na última década, a participação nacional na riqueza global aumentou para 2,2%, podendo dobrar nos próximos anos, enquanto a política externa protagoniza um novo ciclo de cooperação técnica e liderança mundial.
Não sem motivo, a posição brasileira nos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), no G-20 (Grupo dos 20 países mais ricos) e na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) confere maior relevância e voz incontestável em termos internacionais.
Apesar disso, as armadilhas da dependência nacional ainda não se encontram plenamente superadas. Especialmente num cenário de grave crise internacional acompanhado pelo deslocamento do centro dinâmico dos Estados Unidos para a China.
Para que o Brasil não substitua meramente a condição de periferia estadunidense para asiática, uma inovadora programação de relançamento nacional torna-se fundamental.
Para isso, convém considerar quatro principais elementos constitutivos de um novo ciclo de dependência, contra os quais o país precisa reagir firmemente.
O primeiro resulta do tipo de ligação comercial do Brasil como os mercados dos países dinâmicos.
Tal como no distante século XIX, a conexão do mercado interno com o exterior se faz fundamentalmente pela empresa estrangeira, permitindo à trading company seguir comandando a ligação comercial com outros países e fazendo crescer o poder dos importadores frente à conversão de antigos produtores em simples vendedores domésticos.
O segundo elemento refere-se à especialização nacional na produção e exportação de bens com menor valor agregado e conteúdo tecnológico.
Essa opção se dá não apenas por se tratarem de empreendimentos mais lucrativos, mas porque a diversidade possível da produção manufaturada e de serviços não parece oferecer oportunidades de maior rentabilidade, salvo na condição de importador.
O terceiro elemento concentra-se no horizonte do acirramento da concorrência global, o que torna ainda mais difícil ser competitivo frente à complexidade produtiva nacional.
Nesse sentido, a antiga ideia das vantagens comparativas se levanta, dando vez aos defensores internos da especialização competitiva, ou seja, aos interesses da velha ordem assentada na monocultura produtiva.
Por fim, o quarto elemento está associado à dinâmica imposta pelas corporações transnacionais, atualmente responsáveis pela metade da produção global.
A elas, por operarem em rede, cabe maior disciplina na definição dos locais nos quais a produção pode ocorrer ou ser extraída.
O conjunto desses elementos conformadores de uma nova etapa da dependência somente pode encontrar limites na reação nacional.
A política, constituída por meio de um pacto entre todas as forças da produção, pode, mais uma vez, salvar o Brasil das armadilhas desta nova dependência.
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Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Fonte: Brasil Econômico - 24/4/2012