# Em entrevista ao BRASIL ECONÔMICO, o presidente da Transpetro, Sérgio Machado, diz que o investimento de R$ 11 bihões na renovação da frota fez os estaleiros renascerem. Falta agora ganhar produtividade para disputar o mercado mundial
Brasil Econômico - Octávio Costa e Érica Ribeiro
É um caso raro de longevidade no comando de empresa estatal. Nomeado pelo presidente Lula em 2003 por indicação do PMDB, o ex-senador Sérgio Machado vai completar dez anos na presidência da Transpetro, o braço da Petrobras responsável pelos navios e pelos dutos que transportam óleo e gás. Nesse longo período, que entra na segunda metade do governo Dilma, Machado foi alvo de pressões, ainda mais fortes quando Graça Foster assumiu a Petrobras em fevereiro do ano passado. Muita gente apostou que chegará o dia do político cearense, amigo de Renan Calheiros e José Sarney. Mas Machado não só continuou no cargo como deve ficar lá até o fim de dezembro de 2014.
Qual é o segredo de Sérgio Machado? Ele traz a resposta na ponta da língua: "Entrar num estatal por indicação é normal, mas para ficar no cargo só mostrando resultado". A receita vale ainda mais com Dilma Rousseff, "que se preocupa muito com resultados". Na gestão do ex-senador, os investimentos da Transpetro multiplicaram-se de R$ 80 milhões em 2002 para R$ 1,4 bilhão em 2012. A receita operacional deu um salto de 200%. Mas o principal resultado é medido em toneladas de aço. É de sua lavra o Programa de Modernização e Expansão da Frota, o Promef, que mudou a face da indústria naval. Investimentos de R$ 11 bilhões na encomenda de 49 navios tiraram o setor do fundo do poço. "Com nossas encomendas, demos escala e recriamos a indústria naval do país", comemora Machado. Mas adverte: "Os estaleiros não podem se acomodar. Agora é tempo de buscar competitividade, para disputar o mercado internacional".
A busca por maior competitividade, segundo ele, vai muito além dos limites da Transpetro. É um desafio nacional. "Com a crise do mundo desenvolvido, abre-se uma perspectiva excelente para o Brasil. Mas, se o país quer ser competitivo, tem que resolver os gargalos de logística”. Machado lembra a matriz de transportes, que é 70% concentrada no modo rodoviário, muito mais caro do que o modo aquaviário. O Brasil, explica, usa pouco a navegação pelos rios; no Tietê, por exemplo, o aproveitamento é de apenas 15%. "Temos 50 mil quilômetros de rios navegáveis, mas os aproveitamos mal. Precisamos investir num sistema de barcaças, que polui cinco vezes menos e tem um custo quase três vezes menor que o rodoviário".
Leitor assíduo de biografias, Sergio Machado, aos 66 anos, diz que prefere a vida de personagens que sofreram derrotas e deram a volta por cima. Ele mesmo perdeu as eleições para o governo do Ceará em 2002. Ficou sem mandato, mas foi nomeado meses depois para a presidência da Transpetro. E gostou da nova função. "Eu me concentro no trabalho e estou muito apaixonado pelos navios. Tudo na vida é foco. Estou na fase de ver o avião decolar. Nessa fase, o comandante não pode por um minuto tirar o olho do objetivo". Como os últimos navios encomendados pelo Promef só serão entregues em 2018, pode-se concluir que Sérgio Machado já está pensando no segundo mandato de Dilma Rousseff.
O senhor vai completar dez anos na presidência da Transpetro. Qual é a principal marca de sua gestão, considerando que para uma estatal seu mandato é quase recorde.
Quando nós chegamos aqui, a Transpetro, que está completando seu 15º aniversário, tinha apenas cinco anos de vida. E era uma empresa ainda em formação, que não tinha encontrado a sua identidade, num momento no qual o Brasil vivia grandes desafios. Não havia ainda o pré-sal, mas o país estava na fase de desenvolvimento da produção de petróleo. O Brasil aspirava ser um player e participar da geopolítica mundial. E todo mundo sabe que para participar dessa geopolítica o que agrega valor não é fabricar ou produzir e, sim, movimentar. Não é à toa que os países que controlam 50% do comércio mundial têm 72% da frota. O que garante soberania é ser dono, decidir o que vai transportar e o que vai levar. Isso é estratégico. Temos que ter uma marinha mercante brasileira forte mas competitiva.
A mudança básica, então, seria o foco na gestão da empresa?
O choque de gestão levou dois anos em planejamento estratégico e, após esses dois anos, o crescimento foi exponencial. Qualquer investimento em logística leva quatro anos para ter resultado. Tínhamos 43 terminais e passamos para 48. Vamos completar 49 com Barra do Riacho. Temos hoje 7.179 quilômetros de oleodutos e 7.355 de gasodutos. O gás passou a ser um item importante em nossa matriz energética, com 11 estações de compressão. Investimos muito em treinamento, em redução de acidentes, 51% a menos de vazamento de gás. Os primeiros quatro anos foram de plantar. Até porque eu peguei uma empresa que estava começando.
Então, sua trajetória na Transpetro passou por um momento de identificação do mercado, dos caminhos a trilhar...
O tamanho do seu mercado é quão longe você pode levar seus produtos a preços competitivos. Temos 7,5 mil quilômetros de costa e 50 mil quilômetros de rios navegáveis, a terceira maior extensão do mundo. E dentro da matriz de transporte do país a mais cara é a rodoviária, que representa mais de 60% do total. Nenhum país com a dimensão do Brasil tem a matriz rodoviária com um volume tão grande. A matriz rodoviária custa o dobro da ferroviária, que custa o dobro da aquaviária. Hoje, há um custo de produção dentro da fábrica relativamente baixo, mas quando se usa a logística para transportar, perdemos a competitividade. Tivemos uma mudança de perfil econômico no Brasil. Antes, éramos um país onde o desenvolvimento era litorâneo, a economia estava concentrada a no máximo a 100 quilômetros da costa, mas hoje temos novas fronteiras econômicas. Com isso, precisamos de uma nova logística competitiva. E aí entram os dutos e os sistemas de barcaças.
O modal aquaviário precisa ser modernizado e melhor utilizado?
O rio Tietê, que corta o coração de quase 40% do PIB nacional, tem uma utilização de 15% de sua capacidade de navegação e a barcaça polui cinco vezes menos e tem um custo quase três vezes menor que o rodoviário. Hoje há uma parceria para melhorar a navegabilidade. Os investimentos visam melhorar a eficiência dos rios. Hoje se usa um pouco no Paraná, no Amazonas também. Mas ainda não estamos usando de forma plena os rios. O modal ferroviário, os ingleses o fizeram com interesses específicos e com bitolas diferentes e traçados que acompanhavam outros interesses o que inviabilizou o modal ferroviário.
Do ponto de vista financeiro, qual era a situação da Transpetro quando o sr. assumiu a presidência?
A Transpetro vivia dos custos que eram pagos pela Petrobras. A gente vivia de uma espécie de mesada. Eu quis mudar esse quadro e passei a discutir muito com a Petrobras que precisávamos ser uma empresa que vivesse de preços de mercado. O parâmetro de aferição de uma gestão é o lucro. Se você trabalha na base de uma mesada, não há por que brigar, não há motivação. Somos uma empresa 100% da Petrobras e nosso lucro volta 100% para a Petrobras. Mas nos permite aferir a nossa capacidade de gestão aqui. O investimento hoje é de R$ 1,4 bilhão, e quando chegamos era de R$ 80 milhões.
E qual foi a evolução da frota da Transpetro?
Quando chegamos aqui a frota estava na curva da morte, porque os navios estavam completando 17 anos. Eram 70 navios e o prazo de uso dessa frota acabaria em 2020. Então, o presidente Lula me deu o desafio de recriar a indústria naval no Brasil. Mas não a qualquer preço. E fomos estudar os problemas do setor. Naquela época, o último navio havia sido encomendado há 20 anos e levou 11 anos para ser construído. E se dizia que o problema da indústria naval brasileira era a garantia. Ou seja, se eu desse a garantia, tudo estaria resolvido.
E o que o sr. fez diante disso?
Durante algum tempo estudei esse assunto e, como se deve fazer, a gente não deve cuidar só do nosso bolso, tem que ver o oceano. Eu encomendei um estudo sobre a indústria naval da Europa, Japão, Coréia e China, além do Brasil. Para identificar em que latitude e longitude o Brasil estava em relação aos players. Nos anos 70, o Brasil era o segundo maior fabricante de navios do mundo, fruto do trabalho que começou no governo Juscelino, com a criação do Fundo de Marinha Mercante em 1958 e a atração de dois estaleiros Ishibrás e Verolme, da Holanda e Japão. Eles deram impulso a essa indústria, que chegou na década de 70 a ser a segunda maior do mundo. Quando você tem um problema, e isso é comum no Brasil, ao contrário de analisar é melhor se livrar do problema. Quando dá carrapato no boi é melhor matar o boi do que o carrapato. E assim mataram a indústria naval.
Quais foram os motivos que levaram à morte da indústria naval?
O que causou o problema foi a falta de produtividade e a falta de tecnologia. Quando fiz o diagnóstico, estávamos na segunda geração na indústria naval, enquanto o mundo caminhava para a quarta ou a quinta geração. Nosso problema não era financeiro e nem de garantias. Nosso problema era de falta de tecnologia. A Petrobras usava 110 petroleiros, todos de fora, todos alugados. Os armadores brasileiros desapareceram. Gastávamos com transporte marítimo US$ 12 bilhões, dos quais menos de 4% feitos por empresas brasileiras, hoje está em torno de US$ 18 bilhões. Nosso desafio era recriar a indústria naval, naquela época, em 2004. Um desafio, baseado nos três pilares que definimos: fabricar os navios no Brasil, atingir um índice de nacionalização de 65% e após a curva de aprendizado, ser competitivo em nível mundial.
Como seriam alcançados esses objetivos?
Para isso eu tinha que dar escala. Primeiro, com esse estudo da indústria naval no mundo, vimos que 70% da nossa diferença de custo para a Coreia vinha de pessoal e aço. Tínhamos que induzir o aparecimento de novos players. Ninguém iria construir estaleiro ou modernizar estaleiros sem pedidos. E sem estaleiros modernos eu não teria indústria naval cumprindo o pilar de ser competitivo. Para existir a indústria naval eu tinha que dar continuidade e quantidade. É preciso horizonte de longo prazo. E tínhamos o mercado interno com a Vale e a Petrobras que poderiam comprar navios e retomar essa indústria naval. Hoje, só a Petrobras usa mais de 200 navios. Mas só teria sentido retomar essa indústria naval se fosse para, após a curva de aprendizado, ser competitivo.
Quando esse salto do setor aconteceu?
Se a gente aceitar que nada pode começar novamente, o rico vai ser sempre rico e o pobre, sempre pobre. Mas achamos que era possível mudar o destino do setor naval. É preciso aproveitar as necessidades para transformar em oportunidade. Eu rodei o mundo e o discurso das empresas do setor era de que primeiro tinha que se construir lá para quem sabe um dia construir no Brasil. Aqui dentro com os empresários, classifiquei os estaleiros com condições de competir. O Rio ficou com 19 dos 40 navios encomendados, nos estaleiros Mauá e Eisa. Mas tive que descredenciar um estaleiro no Ceará por não cumprir as exigências, por exemplo. O Rio chegou a dizer que estávamos qualificando estaleiros virtuais, mas depois se provou que não era na disso.
E o caso do estaleiro Atlântico Sul? Por que houve necessidade de rever os contratos?
O estaleiro Atlântico Sul, que fica em Pernambuco, no porto de Suape, tornou-se o mais moderno do país. Em todo o mundo, quem começou a indústria naval teve problemas. Tirar o setor da inércia no Brasil foi mais complicado do que eu esperava. O Atlântico Sul investiu em tecnologia, que é pré-condição, mas teve problemas de gestão, de aprendizado, de treinamento. Eles fizeram uma parceria com a Samsung, maior fabricante de sondas do mundo e segundo maior de navios. Mas a Samsung só tinha 10% de participação e essa transferência de tecnologia não aconteceu. Com isso, o estaleiro teve essa dificuldade, mas encontrou seu caminho. Com a saída da Samsung, eles perderam o parceiro tecnológico. Foi quando suspendemos o contrato em junho de 2012, até que eles encontrassem um novo parceiro tecnológico.
E qual o quadro agora?
Era preciso suspender o contrato para que eles tivessem um parceiro tecnológico, um projeto e um cronograma. Em setembro de 2012 a IHI (IHI Marine United) se tornou o novo parceiro tecnológico. Com a Samsung, os projetos foram fechados. Dentro do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), estamos com dez projetos. Eles já entregaram o João Cândido, vão entregar até o fim do segundo semestre o Zumbi e até o fim do ano o Dragão do Mar. E tem ainda as sondas, com a Petrobras.
No caso do Rio de Janeiro, o que o estado ganha com a retomada das encomendas de navios?
Para a economia do Rio, só a construção da primeira série de quatro navios de produtos no Estaleiro Mauá representa uma injeção de R$ 2 bilhões na economia, em pagamento de salários e contratação de serviços e equipamentos.
Hoje, a indústria naval está vivendo sua terceira onda de desenvolvimento?
Eu não sou fabricante de navios. Mas como sou agente de desenvolvimento, eu nunca deixei de acompanhar a qualidade. Agora é tempo de buscar a competitividade. Porque eu quero que a indústria naval brasileira atinja um padrão internacional. Criei um Setor de Acompanhamento de Produção. Nove coreanos acompanham produção e competitividade no Brasil. Levamos 20 anos sem encomendas de navios. E 14 anos para receber navios. Nos últimos 12 meses, lançamos sete navios e estão entrando em operação quatro. No dia 17 de janeiro vamos receber o quarto navio, o Rômulo de Almeida, do estaleiro Mauá. Esse ano teremos, além do Rômulo, Zumbi, José Alencar, o Dragão do Mar e quatro barcaças do programa de hidrovias. O novo Promef originou três novos estaleiros que foram o Atlântico Sul, o STX Promar que está 60% pronto e o Rio Tietê, que vai produzir as barcaças. Com isso, ganhamos velocidade nas entregas dos navios. Velocidade com competitividade. Resumindo, em 2012 recebemos dois navios. Em 2013, serão quatro navios e quatro comboios, em 2014 oito navios e sete comboios e em 2015 oito navios e seis comboios. Já em 2016, oito navios e três comboios. Os 49 navios do total de encomendas serão entregues até 2018. Tudo envolve cifras de R$ 11 bilhões. Trilhamos a busca da produção e da eficiência para que possamos ter uma indústria naval competitiva.
A questão da produtividade e da competitividade no país vai além da indústria naval?
Sem dúvida. Com a crise do mundo desenvolvido, temos uma perspectiva excelente para os Brics, Brasil, Rússia, China e Índia. Em 2010, 40% do crescimento da renda foi feito pelos emergentes. O Brasil, por ter sido beneficiado pela natureza em energia, em água e em terra, passou a ter na mão uma vantagem comparativa enorme e ainda adquiriu um selo de qualidade fantástico que é a democracia. O nosso concorrente nessa área ou não tem recurso natural ou não tem democracia. A China não tem nenhum dos dois, a Índia tem democracia mas tem casta, a Rússia tem recurso natural e não tem democracia.
Qual é a receita para o país se desenvolver, na sua opinião?
Acho que o país que quer ser competitivo tem que resolver os gargalos de logística. Temos que ter um custo adequado. Temos uma tecnologia avançada na área agrícola que fica cara quando sai da cerca. É preciso adequar o país a isso e temos tudo que precisamos.
Na área de oleodutos e gasodutos há algum investimento novo?
Vamos ter o novo terminal de Barra do Riacho e um outro terminal de operação de gás que está sendo feito. A Petrobras faz os investimentos nessa área e nos arrenda. Os investimentos em navios são nossos.
Nesse período em que o sr. acompanha o setor naval, qual é a sua avaliação sobre a situação real da nossa indústria?
Vivemos quatro etapas no Brasil. Na primeira, não tínhamos demanda e na segunda não tínhamos dinheiro. Isso foi resolvido. Na terceira etapa não tínhamos tecnologia e nem engenharia e resolvemos. Estamos vivendo a fase da gestão e a questão está no nível intermediário. E essa é a batalha que está se travando para podermos chegar ao grau desejado de produtividade. Que os estaleiros tenham parceiros tecnológicos e equipes técnicas capazes de puxar a nossa mão de obra para a produtividade. Assim como estamos competitivos na indústria tecnológica e automobilística, em todos os setores e vamos ser na indústria naval.
Mas vamos levar os mesmos 20 anos que o sr. citou como o período de maturação da indústria naval no mundo?
Todos os grandes levaram 20 anos. Mas nós teremos menos tempo porque a vantagem do retardatário é que não precisamos cometer os mesmos erros. Acredito que vamos levar de 12 a 14 anos para que o setor fique maduro. Estamos no processo.
O sr. foi muito pressionado na época das mudanças no primeiro escalão da Petrobras. Agora, seu amigo Renan Calheiros deve voltar a presidir o Senado. A poeira baixou de vez ?
Eu acho que a questão fundamental é o que está se fazendo aqui e o resultado que está saindo daqui. Esse é um governo e essa é uma gestão da Petrobras que se preocupa muito com resultados. Então, se você tem um time jogando bem, com resultados... vai em frente. Na verdade, eu sempre me dediquei ao meu trabalho. O trabalho é julgado. Na vida quando alguma coisa cresce as pessoas ficam de olho grande, desejando. E eu estou trabalhando. Os navios estão saindo em série e isso vai se tornar uma rotina. Nunca houve movimento político para me manter. Eu jamais ficaria em um lugar sem resultado. Entrar você até entra por indicação. Mas ficar, só por resultado.
Fonte: iG / Brasil Econômico - 14/1/2013