28 de novembro de 2012

A dívida americana e o abismo moral

Rodrigo Sias - Economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Terminadas as eleições nos Estados Unidos com a apertada reeleição de Obama, agora o mundo volta seus olhos para outra saga americana, a dívida pública, próxima novamente de alcançar o teto estabelecido pelo Congresso.

A falta de acordo entre democratas e republicanos parece reeditar o problema do ano passado, quando o país foi punido pelas agências de rating com o rebaixamento de sua classificação de risco.

Na ocasião, o impasse entre os partidos quase disparou o mecanismo automático de interrupção do pagamento das despesas governamentais. Tal mecanismo extremo - chamado de "abismo fiscal" - começa a funcionar assim que a dívida pública americana chega ao limite do teto.

A partir daí, qualquer pagamento é interrompido, gerando uma moratória provisória aos credores, fornecedores, funcionários públicos, prestadores de serviço, enfim, de toda a cadeia que depende dos recursos governamentais.

Em tese, o problema é resolvido assim que o Congresso, em uma situação hipotética, equilibra o orçamento ou, o que é o mais usual, eleva o teto limite para a dívida. O limite da dívida, portanto, depende da disposição política. Mas qual seria o limite econômico para a dívida americana?

Desde que Richard Nixon unilateralmente abandonou o Padrão Ouro em 1971, o dólar tornou-se uma moeda fiduciária em nível global. Para honrar a dívida, denominada em dólares, bastaria ao governo americano emitir mais moeda.

Os demais países são obrigados a aceitar esse "dólar sem lastro" para participar da prosperidade dos EUA, maior economia, maior mercado e maior importador mundial.

Com isso, sempre haverá quem se interesse em adquirir mais moeda e novos títulos da dívida, acumulando ativos e direitos em relação à economia do país, já que o dólar, por conta do tamanho dos EUA, também é a principal moeda de curso internacional.

Em anos recentes, diversos países, entre eles o Brasil, acumularam imensos estoques de reservas cambiais denominadas em dólar. São direitos que só podem ser exercidos com a aceitação do dólar, situação que transforma os países, investidores e demais credores em verdadeiros reféns da moeda americana.

Essa situação paradoxal da dívida americana é similar a do filme "Rosalie vai às compras" (1989). A personagem principal é uma compradora compulsiva que conta com diversos cartões de crédito.

Após fazer uma dívida totalmente incompatível com sua renda, os bancos a convocam e a indagam como ela resolveria o problema. A resposta é curiosa: segundo a personagem, ela não tinha nenhum problema. Uma vez que jamais poderia honrar suas dívidas, quem realmente estava em apuros eram seus bancos que a deixaram livre para endividar-se acima do razoável.

O filme é didático e ilustra bem o paradoxo entre credores e devedores quando a dívida se torna "impagável". Depois de certo patamar, a dívida não é mais um problema do devedor e passa a ser uma dor de cabeça para aqueles que concederam o crédito.

A aposta no adiamento quase infinito do ajuste de contas tem levado a uma política fiscal insana por parte do governo americano. Presidente dos EUA entre 1929 e 1933, Herbert Hoover dizia: "bem-aventurados os jovens, pois eles herdarão a dívida pública". Tinha razão. O abismo fiscal, na verdade, é um abismo moral.

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Rodrigo Sias é economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Fonte: Brasil Econômico - 28/11/2012

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