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A Tribuna, 21/11/2012, quarta-feira, página A-2, Tribuna Livre
RAFAEL PAULO AMBRÓSIO. Arquiteto urbanista da ONG Ambienta – Assessoria e Desenvolvimento Local, consultor do Instituto Polis e mestrando em Habitat e Desenvolvimento Urbano pela FAU/USP.
O projeto de lei complementar das passarelas está na Câmara. Na sua origem, o projeto visava tão somente a construção de passarelas para diminuir o número de acidentes na Avenida Perimetral, que acabou por separar fisicamente setores de uma mesma empresaportuária, gerando conflitos no fluxo de pessoas, mercadorias e produtos.
Aproveitando a deixa, o setor da construção civil, representado pelas seguintes entidades: Sinduscon-SP, Secovi-SP e Assecob, não perdeu tempo e propôs em reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) a ampliação da autorização para construção de passarelas em empreendimentos imobiliários situados nos corredores de desenvolvimento urbano (CDRU) e em polos geradores de tráfego.
Caso essa proposta seja aprovada, será autorizada a construção de passarelas sobre as 21 principais vias da Cidade, como as avenidas Ana Costa, Conselheiro Nébias, Francisco Glicério, Pinheiro Machado, Jovino de Mello, N. S. de Fátima, trechos da Siqueira Campos, Joaquim Montenegro, Afonso Pena e Pedro Lessa, e na Almirante Cochrane.
Segundo reportagem publicada neste jornal em 10 de novembro, as passarelas poderão ser construídas ligando imóveis de uso coletivo (não residencial), comercial e prestação de serviços.
Mas o que nos salta aos olhos é ler na mesma reportagem depoimento do representante do primeiro empreendimento que poderá receber uma passarela, o Praiamar Corporate, relatando que “o projeto prevê a construção de uma passarela a 18 metros de altura que não será de uso exclusivo dos moradores do edifício”.
Mas se a construção de passarelas é permitida apenas em imóveis não residenciais, como ele relata que as passarelas não serão de uso exclusivo “dos moradores”? Há “moradores” em imóveis de uso coletivo?
A proposta, que foi votada e aprovada pelo CMDU, recebeu apenas dois votos contrários: o do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo (SASP), representado por mim no conselho, e o da Associação Comercial de Santos (ACS). O restante do colegiado aprovou a matéria no formatoem que foi encaminhado à Câmara.
Com o pretexto de trazer fluidez ao trânsito e diminuir conflitos entre carros e pedestres, o setor imobiliário dá mais uma cartada para gerar valorização imobiliária de seus empreendimentos.
Caso o nobre intuito fosse garantir fluidez no trânsito e segurança aos pedestres, outras iniciativas poderiam ser tomadas, como a ligação de lados opostos das vias por passagens subterrâneas, unindo dois espaços públicos.
Mas não, a proposta tem a simples finalidade de atender aos interesses de um determinado segmento que já demonstrou, em outras oportunidades, ter muita influência sobre o Executivo e o Legislativo santista. Cabe ressaltar que no início da década de 90, em São Paulo, a então prefeita Luiza Erundina autorizou a construção de passarela em um shopping, em troca de 400 moradias populares. Aqui, serão cobradas taxas irrisórias.
Em detrimento da qualidade do ambiente construído e da paisagem urbana de Santos, vemos mais uma vez interesses particulares se sobrepondo ao interesse público.
Cabe lembrar que, segundo o Estatuto da Cidade, leis que impactam na qualidade de vida das cidades devem ser objeto de consultas populares ou referendos, instrumentos de participação popular ignorados pelos políticos locais.
É uma proposta que interessa pura e simplesmente ao setor imobiliário. Ou alguém acredita que pedestres entrarão num shopping, subirão três andares e utilizarão uma passarela a 18 metros de altura para atravessar a rua?