September 30, 2013

José Rodrigues - Pense - 30/9/2013

Publicada em: Pense - http://www.viasantos.com/pense - 30/9/2013

De família católica e ascendência espanhola, José Rodrigues nasceu em Santos-SP, no dia 22 de novembro de 1937. Filho caçula de Manoel Rodrigues Peres e Maria Fernandes Rodrigues, tinha três irmãs: Alice, Elza e Ester. Tomou contato com o Espiritismo na adolescência, aos 17 anos, ao atender o convite de seu amigo Otton Guedes Figueiredo para frequentar a Mocidade Espírita Estudantes da Verdade (MEEV), da qual viria a ser presidente. A MEEV era vinculada ao Centro Espírita Allan Kardec, em Santos, aonde iria se destacar como dirigente e expositor.

Nessa mesma época, toma contato com as obras de Allan Kardec, a partir de seu contato com o amigo de Otton, José Monteiro, que tomava conta da banca espírita da Praça Mauá, no centro velho de Santos. Monteiro era primo de Jaci Regis, que viria a ser seu companheiro inseparável nas lides doutrinárias.

O interesse pelo jornalismo surge em sua atuação na MEEV e no Centro Espírita Allan Kardec (Ceak), quando em janeiro de 1960 passa a editar, junto com Otton G. Figueiredo e Mauricy A. Silva, o periódico “Espiritismo”, que posteriormente daria origem ao conhecido “Espiritismo e Unificação” (julho de 1960), fruto da fusão com outro periódico, “Mensageiro da União”, editado por Altivo Ferreira, da União Municipal Espírita de Santos.

Entra na Faculdade de Economia da UniSantos aos 23 anos, formando-se economista em 1963. Antes de ser portuário, trabalhou no Serviço Social da Santa Casa de Santos. Aprende jornalismo na prática, tornando-se um dos mais notáveis profissionais da Baixada Santista e do país, uma das maiores autoridades em jornalismo cafeeiro e assuntos portuários. Rodrigues ingressou no jornalismo profissional em 1969, ao ser contratado pelo diário santista “A Tribuna”, onde trabalha por quase 15 anos. Lá, funda a editoria de economia e mantem coluna diária sobre assuntos econômicos, tarefas que dividia com a intensa atividade no movimento espírita.

Nos anos de 1970, também colabora com o lendário periódico alternativo santista “O Jacaré”, de linha editorial ácida e irreverente, publicando crônicas hilariantes com temática jocosa. Assinava “Irmão Zero”. Daí o Zero, codinome usado em seu endereço de e-mail.

Conquista o Prêmio Esso de Jornalismo em 1971, com a reportagem “Salário Mínimo”. Todos os seus colegas de trabalho sabiam que ele era espírita, não somente pelas atividades doutrinárias, mas principalmente pelo seu comportamento íntegro, leal e fraterno. Sem ele saber, os tribuneiros chamavam-no, carinhosamente, de “Zé do Além”.

Em 1983, sai de “A Tribuna” e passa a trabalhar na Associação Comercial de Santos (ACS), como assessor de imprensa e comunicação. Realiza várias coberturas jornalísticas do Seminário do Café e reuniões da OIC - Organização Internacional do Café. Provavelmente a maior autoridade em jornalismo cafeeiro no país, devido ao seu amplo conhecimento Rodrigues escreve para revistas e jornais segmentados como o DCI, a “Gazeta Mercantil”, a própria Revista do Café do CCCRJ, a revista “Exame”, dentre outras.

Posteriormente, desliga-se da ACS e assume a Assessoria de Comunicação Social do Instituto Brasileiro de Café (IBC), em Brasília-DF. Braço direito do presidente do IBC na época, Jório Dauster, negocia pessoalmente acordos fundamentais para a economia do país e esteve presente em importantes negociações do setor cafeeiro, no comércio nacional e internacional.

Em 1989, assume o cargo de coordenador para Assuntos Portuários no governo Telma de Souza, função que também exerce na gestão do prefeito David Capistrano Filho. A fim de que a Administração Municipal pudesse ter assento no CAP - Conselho de Autoridade Portuária, doa à Prefeitura de Santos ações de sua propriedade da Codesp - Companhia Docas do Estado de São Paulo.

Precursor da luta para que cidades portuárias participassem da gestão do porto, torna-se um dos principais articuladores da proposta tripartite de administração portuária, inserida na Lei dos Portos e consequente inserção dos municípios na questão portuária.

Participa ativamente em todas as campanhas eleitorais do Partido dos Trabalhadores, na elaboração de projetos e programas de governo. Foi um dos principais consultores de sindicatos de trabalhadores portuários, na defesa da renda e manutenção do emprego. Trabalha por 10 anos como correspondente do diário Valor Econômico, especializado em assuntos econômicos, função que exerceria até a súbita desencarnação.

Atua por décadas no Lar Veneranda, entidade assistencial dirigida por Jaci Regis, companheiro inseparável ao tempo em que era redator do periódico santista “Espiritismo e Unificação” e presidente da Dicesp - Divulgação Cultural Espírita. Em 1987, fez parte do conselho de redação do “Abertura - Jornal de Cultura Espírita”, sucessor do “Espiritismo e Unificação”.

De personalidade sensível e delicada, Rodrigues aos poucos se afasta do meio espírita em função de conflitos na década de 1980, com a chamada questão religiosa, contenda que muito abalou sua saúde. Passa a colaborar na imprensa espírita eventualmente.

A retomada das atividades espíritas se dá no início do milênio, em março de 2001, com o lançamento do site Pense - Pensamento Social Espírita, elaborado em parceria com o amigo e arquiteto Eugenio Lara e a consequente divulgação da obra do argentino Manuel S. Porteiro, por ele traduzida. A leitura desse grande pensador espírita, que Rodrigues tanto admirava, contribuiu decisivamente na decisão de abandonar seu perfil liberal e se aproximar de concepções mais humanistas e socialistas. Deixou de ser eleitor do PSDB/PMDB para se tornar militante do Partido dos Trabalhadores (PT).

Possuía o dom da palavra escrita. Seu texto era impecável: sintético, fluente e escorreito, elegante e substancioso, um dos melhores textos da história da imprensa espírita brasileira.

Também era poeta, fato que muitos desconhecem. Sensibilizado com a tragédia em Cubatão-SP, em um incêndio criminoso na Vila Socó, escreve o livro de poesias “Vila Socó, a Tragédia Programada” (1985), em parceria com o ilustrador Lauro Freire. O livro foi adaptado para o teatro em comovente montagem. Quando esteve no Japão, por motivos profissionais, escreveu esse poema que reproduzimos a seguir:

Fujiyama

Fuji, que irrompes entre

as nuvens, imponente,

constrói a história.

E cada um, em cada dia

procura entender-te.

Em vão, amigo.

Vejo-te como um pai,

ou simples acidente,

desafio ao tempo, a ameaça.

Mas, o melhor foi ver-te.

O Japão ganha contigo.

E seu povo em ti se espelha,

porque és a natureza

em permanente glória!

JR • 06/12/1987.

Em 1994, junto com a esposa Myrian de Domênico Rodrigues, funda a ONG (organização não-governamental) Ação de Recuperação Social (ARS). A entidade oferece assistência social e educativa à comunidade carente do bairro periférico santista do Saboó, com acompanhamento psicológico, cursos profissionalizantes, aulas de reforço escolar, alfabetização de adultos, assistência jurídica, distribuição de alimentos, dentre tantos outros serviços.

Mesmo afastado do movimento espírita, nunca deixou de coordenar, ao lado da esposa Myrian, as reuniões de apoio espiritual no CE Allan Kardec. Entusiasta da Confederação Espírita Pan-americana (CEPA), pouco antes de desencarnar participa ativamente da comissão organizadora do Congresso da CEPA (Santos-2012), contribuindo efetivamente na elaboração do temário.

Nos últimos meses, antes da desencarnação, após animadas conversas informais, Rodrigues se convence da necessidade de lançar suas ideias em livro, especialmente seu último ensaio “A Crise da Ambição”, publicado no site Pense. Estava tão entusiasmado que apresentou proposta de edição ao jornal “Valor Econômico”, onde escreveu vários artigos espíritas. O projeto, infelizmente, foi interrompido pelo seu inesperado passamento. Contudo, as centenas de artigos e ensaios espíritas que produziu constituem grande acervo de ideias relacionadas às questões sociais sob a ótica espírita.

Outro de seus temas prediletos era a teoria da evolução. Colecionava recortes de jornal, reportagens, revistas e publicações em várias pastas sobre o tema. Admirador do naturalista e espiritualista inglês Alfred Russel Wallace, codescobridor da teoria da evolução com o seu conterrâneo Charles Darwin, escreveu vários artigos sobre a evolução e a simpatia do naturalista pelos fenômenos espíritas.

Rodrigues era um dos poucos pensadores espíritas preocupados com a temática econômica e sociológica no Espiritismo. Sempre atento às transformações de seu tempo, pioneiro no uso da internet, foi um lídimo representante de uma geração desbravadora no trato de temas sociais.

Grande parte de sua produção intelectual aborda a temática econômica e sociológica de modo que, sem exagero, podemos considerar José Rodrigues como um dos grandes continuadores e divulgadores do pensamento social espírita. Sua formação como economista não impediu que vislumbrasse a necessária penetração da ética espírita nas relações econômicas. Seu último ensaio de maior fôlego, “A Crise da Ambição”, aponta para esse caminho, da análise dos fenômenos socioeconômicos apoiada nos fundamentos éticos e morais do Espiritismo. Na conclusão deste ensaio, transcrevemos seu pensamento acerca dessa questão: “(...) um novo estágio ético nas relações e inventivas econômicas deverá aperfeiçoar as regulações entre investidores, captadores e governos, tornando-as mais transparentes e imunes, na medida do possível, ante a ambição humana, de riscos geradores de injustiças”.

Desencarnou em 10 de fevereiro de 2010, aos 72 anos, vítima de complicações pós-operatórias, quando se submeteu a uma delicada cirurgia para extração de tumor no pâncreas. No dia seguinte, foi cremado no Memorial Necrópole Ecumênica, em Santos, com a presença de centenas de pessoas, amigos, familiares, colegas de trabalho e personalidades da região.

Casado desde 1963 com Myrian de Domênico Rodrigues, deixa os filhos Patrícia, Lívia, Flávia e José Tarcísio, netos e uma legião de amigos e admiradores. Foi realmente uma grande alma: simples, carinhoso, educado, gentil e verdadeiramente fraterno, solidário. Fraternidade e solidariedade não foram em sua vida meras palavras ou figuras de retórica, constituíram-se em ação empreendedora e atitude renovadora, legando-nos um exemplo de iluminação, de paz e concórdia.

FONTES DE CONSULTA

ALEXANDRINO, Mauri – O Zé está por aí, vivinho da silva, artigo in Jornal da Orla, 14/03/2010, Santos-SP. Último acesso, setembro de 2013. URL: http://www.jornaldaorla.com.br/materia-integra.asp?noticia=3986

RODRIGUES, José – A crise da ambição, edição digital do PENSE - Pensamento Social Espírita. São Vicente-SP [2010]. Último acesso, setembro de 2013.

URL: http://www.viasantos.com/pense/down/RODRIGUES_Jose_-_A_Crise_da_Ambicao_-_PENSE_-_Pensamento_Social_Espirita.pdf

LARA, Eugenio – José Rodrigues, uma grande alma, artigo in jornal Opinião, órgão do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, abril de 2010, ano XVI, nº 173, Porto Alegre-RS.

– As perdas da década passada, in site PENSE - Pensamento Social Espírita.

Último acesso, setembro de 2013. URL: http://www.viasantos.com/pense/arquivo/1310.html

– José Rodrigues, artigo eletrônico in site CepaBrasil [2013]. Último acesso, setembro de 2013. URL: http://www.cepabrasil.org.br/index.php/a-cepabrasil/biografias/item/70-jose-rodrigues

DOMÊNICO, Flávia de – Dos detalhes às tendências, artigo eletrônico in Revista do Café, março de 2010, ano 89, nº 833, Rio de Janeiro-RJ. Último acesso, setembro de 2013. URL: http://www.cccrj.com.br/revista/833/20.ht

Eugenio Lara, arquiteto e designer gráfico, é membro-fundador do CPDoc - Centro de Pesquisa e Documentação Espírita, editor e fundador do site PENSE - Pensamento Social Espírita e autor do livro Breve Ensaio Sobre o Humanismo Espírita. Publicou também em edição digital os seguintes livros: Racismo e Espiritismo, Milenarismo e Espiritismo, Amélie Boudet, uma Mulher de Verdade - Ensaio Biográfico, Conceito Espírita de Evolução e Os Quatro Espíritos de Kardec. E-mail: eugenlara@hotmail.com


Confira a reprodução da notícia

 

Share

Este site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você declara estar ciente dessas condições.