May 31, 2012

“Portas abertas” em um mundo sem paredes

Luciano Martins Costa - Jornalista, escritor e coordenador do curso de gestão e mídias digitais da GV-PEC

Há uma conexão evidente, mas pouco discutida, entre o conceito de desenvolvimento sustentável e as novas tecnologias de informação e comunicação.

No entanto, não é fácil encontrar bons trabalhos acadêmicos ou pesquisas no ambiente de gestão suficientemente abrangentes para fazer a ponte necessária entre o conhecimento sobre o estado do mundo contemporâneo, com seus desafios sociais e ambientais, e as amplas e inéditas possibilidades das redes sociais digitais ou dos potencialmente infinitos sistemas de estocagem e gerenciamento de informações.

Além do filósofo Vilém Flusser, que começou no Brasil seus estudos sobre a sociedade mediada por computadores, os pesquisadores da questão comunicacional costumam respaldar suas reflexões em fontes que denunciam certo recorte ideológico que, a rigor, representa um aviso prévio do limite da própria reflexão.

O ambiente hipermediado em que estamos mergulhados exige uma ampliação do esforço teórico, de modo a tornar o pensador capaz de transcender os programas restritivos que acompanharam até aqui as análises sobre o funcionamento do ser humano e da cultura.

A questão se torna ainda mais complicada quando consideramos que o tema da sustentabilidade abre outro leque tão amplo quanto o desafio de pensar a comunicação digital.

No entanto, a maioria dos estudos e lucubrações se prende ao tema ambiental, no qual algumas poucas equações e um mínimo de honestidade intelectual bastam para compor um arcabouço teórico e aplicações práticas aceitáveis.

Quando, porém, tentamos agregar à preocupação ambiental outras questões inerentes ao desenvolvimento da sociedade humana, começam os cruzamentos de problemas que mexem com dogmas ainda não superados.

A temática da responsabilidade social corporativa, por exemplo, mexe com o vespeiro do papel da iniciativa privada e os limites de sua atuação em áreas historicamente destinadas ao Estado.

A consolidação do ambiente comunicacional chamado de digital ou cibernético reproduz os desafios existentes no chamado mundo físico e acrescenta novas questões.

A grande profusão de manuais e modelos de uso das mídias digitais patina na mesma deficiência: as empresas que se dispõem a dialogar com seus públicos no contexto das redes interconectadas laboram no escuro, uma vez que as métricas disponíveis para mensuração de seus resultados se limitam a cruzar dados demográficos e valores de interação, mas não são capazes de detectar aspectos menos tangíveis como o humor, os preconceitos, o peso de experiências positivas e negativas com determinada marca.

Assim, uma operação bem-sucedida nas redes sociais digitais pode virar um pesadelo instantaneamente se em algum ponto dessas conexões alguém descrever uma experiência negativa, revertendo e amplificando a intenção da mensagem original. Em geral, tais operações vêm acompanhadas de assertivas do tipo: "nossa empresa tem uma política de portas abertas".

Mas a comunicação de estratégias de sustentabilidade no cenário em que tudo pode se tornar público coloca a questão da transparência da organização em um nível no qual as grandes oportunidades se mesclam a riscos inéditos. E quando se fala em redes digitais, é preciso lembrar que não basta falar em "política de portas abertas" se o mundo já não tem paredes.

----------------------------------------------------------

Luciano Martins Costa é jornalista, escritor e coordenador do curso de gestão e mídias digitais da GV-PEC

Fonte: Brasil Econômico - 31/5/2012

Share

Este site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você declara estar ciente dessas condições.