February 10, 2014

"Eike foi um ilusionista", diz autor de livro sobre o empresário

Fonte: iG - 10/2/2014 - 6h00

# "Ascensão e Queda do Império X" mostra que ex-bilionário enganou investidores; obra revela fracassos do começo de carreira e aponta a influência de Eliezer Batista, pai do ex-bilionário

Marília Almeida - iG São Paulo

Muito antes de criar o Império X, e até mesmo do fracasso de sua empresa de ouro no Canadá, a TVX, o empresário Eike Batista ensaiava, com seus vinte e poucos anos, os primeiros passos nos negócios na mineração, e já montava o modelo que iria ser replicado em todas as empresas do Grupo EBX, bem como a influência de seu pai e os erros iniciais que o levaram do posto de maior milionário do País ao de maior perdedor.

Esse passado, desconhecido por muitos dos investidores do empresário, é apresentado pelo jornalista Sergio Leo no livro "Ascensão e Queda do Império X" (Editora Nova Fronteira), em fase de lançamento.

Ao longo do livro, que abrange toda a carreira do empresário, o autor compara, de forma crítica, informações contidas na autobiografia de Eike, e ressalta outras que foram omitidas ou pouco detalhadas. Para Leo, a crise do Grupo X é um caso empresarial sem precedentes no País. "Ele ensina muito sobre o capitalismo brasileiro e dá uma lição estrutural no mercado financeiro".

No início, a sombra de Eliezer

Eike Batista abandonou os estudos, com pouco mais de vinte anos, para explorar ouro no Brasil como intermediário e de olho no preço recorde do metal.

Aos 24 anos, inaugurou seu modelo de negócios. Baseado em seu carisma e poder de convencimento, atraiu os primeiros investidores, Aaron e Mendel, joalheiros no Rio de Janeiro, que lhe confiaram US$ 500 mil para comprar ouro em Itaituba, no Pará. Após ser "traído" por um sócio local, segundo ele, e perder todo o dinheiro, conseguiu fazer com que os empresários lhe confiassem mais US$ 500 mil.

Sergio Leo não conseguiu comprovar se Aaron e Mendel tinham relações ou foram atraídos pela fama do pai de Eike, Eliezer Batista, ex-presidente da Vale e ex-ministro de Minas e Energia. Mas, posteriormente, fica clara que a influência e rede de contatos de seu pai foram a verdadeira mina de ouro dada ao filho, na visão do autor.

A Paranapanema, que se tornaria sócia na primeira mina de Eike, adquirida com dinheiro que ganhou como intermediário, era de Otávio Lacombe, amigo de Eliezer desde o fim dos anos 1960, quando, juntos, ajudaram a fundar a Aracruz Celulose.

Posteriormente, Eike associou-se, em uma segunda mina, a Antônio Dias Leite Neto na empresa Companhia de Mineração e Participações. Leite Neto era filho do ex-ministro de Minas e Energia Antônio Dias Leite Júnior, que ajudaria Eliezer a abrir caminho para a criação da Aracruz Celulose. Ambos os pais faziam parte do conselho do negócio.

Leo ouviu, durante a apuração do livro, relatos de que Eliezer, ao longo da carreira do filho, buscou pessoalmente investidores para seus negócios. "Não seria surpreendente pensar que ele também fez isso no governo", conta.

Parceiros certos impulsionaram negócios

Além do pai Eliezer, uma equipe de qualidade, paga com altos salários, sempre deu credibilidade aos negócios de Eike. "Isso atraía investidores. Dava a impressão de que ele tinha informações privilegiadas", conta Leo.

Não à toa, na visão do autor, o empresário decola quando consegue atrair a multinacional Anglo American para investir na mineradora MMX, e também quando consegue trazer como sócios para a petroleira OGX fundos de grandes gestoras globais, como Blackrock e Píncus. "Um grande investidor atraía outros em um momento de falta de opções para investir e muito capital no mercado".

Por outro lado, Leo ressalta no livro que muita gente também desconfiou das promessas do empresário, sempre grandiosas. É o caso da Nissan, que pulou fora ao verificar que as obras no Porto de Açu, no Rio de Janeiro, iriam atrasar. Houve também quem saísse espantado após se reunir com o empresário para falar de negócios.

Autor aponta erros de gestão

Para Leo, o maior erro do empresário foi criar negócios em segmentos nos quais não tinha experiência prévia. "Ele sempre queria subir de patamar. Tinha muita coragem, mas também se enganava. Muitas vezes não realizou as pesquisas necessárias".

Isso fez com que criasse a empresa de ouro TVX no ápice da valorização do metal precioso, e a eBX Express, de encomendas para o comércio eletrônico, em plena bolha da internet.

Alguns executivos quiseram baixar a bola do empresário na diversificação crescente dos negócios. "Mas ele sempre quis fazer algo monumental. Tinha fixação por recordes, algo relacionado ao seu lado esportista", diz Leo.

Para o autor, Eike sempre foi um empresário ousado, mas não necessariamente um gerente bem-sucedido. "A holding EBX nunca existiu. O grupo não tinha uma estrutura corporativa. As empresas eram independentes, mas, ao mesmo tempo, dependentes. Com um gestor centralizador como Eike, era difícil ter uma estrutura organizada".

Caso vistoso revela mercado despreparado

O mercado de capitais é tema central para entender a crise do grupo EBX. Para a construção do Império X, Sergio Leo conclui que Eike usou todo o potencial de captação para viabilizar seus negócios por meio da bolsa de valores. "Ninguém no Brasil nunca conseguiu tanto dinheiro desta forma", aponta.

Mas, ao mesmo tempo em que o lançamento de ações no mercado permitiu construir o império de Eike, também se voltou contra ele durante a crise do grupo, após as ações das empresas derreterem.

E, mais do que isso, foi uma prova de fogo para um mercado financeiro frágil, que carece de maior regulação, na visão de Leo. "Como uma empresa consegue captar tanto dinheiro e ter tantos problemas de transparência? Não é como propaganda de seguro. É o mercado de ações", diz o autor.

Leo aponta que tudo o que o empresário aprendeu sobre o mercado financeiro foi no Canadá, com a experiência de lançamento de ações da TVX no mercado. "Antes ele era apenas um comerciante de metais preciosos". Porém, lembra que a bolsa canadense já passou por reformas para ampliar a segurança dos investimentos.

Para o autor, a bolsa brasileira tem sua parcela de responsabilidade na crise do grupo. "As empresas X faziam parte de um índice de alta governança. Mas a governança do grupo se revelou uma borra de petróleo". Ele também lembra que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que investiga irregularidades na comunicação de Eike com o mercado, carece de estrutura. "As investigações aconteceram de forma tardia".

A BM&FBovespa foi uma das bolsas de valores que registraram maiores perdas no ano passado. Na visão de Leo, certamente o efeito Eike pesou na conta.

O autor lembra que o caso do empresário não é único, mas apenas mais "espetacular e vistoso". "Não podemos nos esquecer de empresas como Agrenco e Panamericano, ambas com capital aberto e que, após escândalos, deram prejuízos a investidores".

Afinal: o empresário é culpado?

Leo aponta que não é possível afirmar se os erros de Eike foram conscientes ou inconscientes, mas, sim, que tiveram um único objetivo: agradar ao mercado. "Não se pode dizer que as informações não foram prestadas. O empresário fazia algo para desviar a atenção de outro movimento. Ele foi um ilusionista, em certo sentido".

E conclui. "Se ele preparou um golpe ao criar suas empresas? Acho que não. Em nenhum momento enganou investidores? Aí já acho que enganou sim". Para Leo, os investidores minoritários têm hoje base para reclamar perdas. "Mas a Justiça é que irá decidir se todas as reclamações são válidas".

Na visão do autor, a história está longe de ter um ponto final, e Leo não se arrisca em decretar o fim da carreira do empresário. "Eike já provou sua capacidade de cair e se levantar diante do fracasso com negócios anteriores. Agora será mais difícil. A aura de infalível acabou. No início da carreira, os erros foram localizados e esquecidos. Mas agora, a novela aconteceu em horário nobre, para todo mundo ver. Vai ser difícil esquecer".

Como trunfo, o empresário ainda tem participação relevante em diversas empresas vendidas. "Ele pode voltar ao jogo, sim. Além disso, seu patrimônio atual é um mistério", conclui Leo.

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