Rodrigo Sias - Economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Robert Mundell ganhou o prêmio Nobel de Economia em 1999 por seus trabalhos acadêmicos sobre as "zonas monetárias ótimas", nos quais analisava quando seria propícia a criação de uma moeda comum entre dois ou mais países.
Por conta desses estudos, ele é considerado o "pai intelectual" do euro. Para Mundell, a Europa poderia ser uma zona monetária ótima caso algumas condições fossem atendidas: os preços e salários deveriam ser flexíveis, deveria haver livre movimentação de capital e os governos deveriam permitir a deflação relativa da economia, mantendo orçamentos equilibrados.
Caso algum país dentro da zona monetária experimentasse déficits persistentes em seu balanço de pagamento, os salários e preços deveriam cair. Isso seria equivalente a uma depreciação de sua taxa de câmbio, o que permitiria o reequilíbrio das contas pelo aumento de competitividade.
Inspirado nos mecanismos descritos por Mundell, a União Europeia exige que os países membros possuam déficits públicos reduzidos, livre movimento de produtos, pessoas, serviços e capital, além da padronização de legislações e flexibilidade na mão de obra.
Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia em 1976, não acreditava que os mecanismos descritos por Mundell funcionariam. Ele observava que os preços, em especial, salários, seriam resistentes à queda e os governos tenderiam a não deixar que a deflação corretiva fosse posta em marcha, por medo dos efeitos recessivos de curto prazo.
Por conta disso, Friedman pensava que o melhor seria estabelecer uma liberalização comercial profunda, mantendo, entretanto, as moedas nacionais. As taxas de câmbio seriam as responsáveis pelos ajustes entre países superavitários e deficitários.
Havendo déficit, a taxa de câmbio do país deficitário depreciaria até restabelecer sua competitividade e seu equilíbrio no balanço de pagamentos, independente da flexibilidade dos preços e salários ou da disciplina do governo.
Analisando a atual situação europeia, observa-se que Friedman tinha razão. Em grande parte da Europa os salários são rígidos - por leis como o seguro desemprego ou pela força dos sindicatos -, os governos não conseguem controlar gastos e a mão de obra não é tão livre.
O ajuste necessário nunca veio. Ao contrário, a zona monetária comum apenas propiciou uma má avaliação de risco por parte do mercado, que emprestou continuamente aos países deficitários, acreditando no bay out europeu eterno para os devedores.
Há apenas um país que funciona tal como Mundell especificava: a Alemanha. Lá, os trabalhadores aceitaram quedas nos salários e o governo produz reduzido déficit. Com isso, a Alemanha é capaz de competir até mesmo com a China e alcança superávits comerciais com seus vizinhos europeus, aumentando os desequilíbrios na UE.
A controvérsia entre os dois ganhadores do Nobel mostra que a União Europeia só poderá ser salva sob duas hipóteses: ou os países europeus abandonam organizadamente o euro, acabando com a união monetária e mantendo taxas de câmbio flutuantes - como propunha Friedman -, ou os países europeus tornam-se mais parecidos com a Alemanha, conforme Mundell acreditava. Eu aposto na primeira opção.
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Rodrigo Sias é Economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Fonte: Brasil Econômico - 18/7/2012