Ricardo Galuppo - Diretor de redação do Brasil Econômico
Partirei de uma lei de aparência inocente para falar de um dos esportes prediletos dos políticos brasileiros. Trata-se da mania de jogar para o cidadão aquilo que é de responsabilidade do Estado.
O que me chamou atenção para o fato foi uma pergunta que me vi obrigado a responder na semana passada a um amigo americano que não fala português. Num prédio comercial, em São Paulo, ele pediu que eu traduzisse um aviso afixado ao lado do elevador.
Ali estava escrita uma frase que milhões de moradores lêem todos os dias: "Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar". Traduzi os dizeres e o ar de espanto do meu amigo diante da estupidez daquela obrigatoriedade me fez mudar de assunto.
O texto por si só é ridículo mas, pior do que ele é a intenção de quem o redigiu. Trata-se de uma exigência legal que vigora desde 1998, quando Celso Pitta era prefeito de São Paulo.
Naquela época, houve dois ou três acidentes em que pessoas se feriram ou morreram em elevadores antigos e malconservados na cidade. Como a obrigação de fiscalizar os elevadores é da prefeitura que, inclusive cobra uma taxa para tal finalidade, ali estava mais uma razão entre muitas para o apedrejamento público do prefeito.
Foi neste momento que um vereador da chamada "base aliada", de nome José Indio Ferreira do Nascimento, resolveu dar uma forcinha para Sua Excelência e surgiu com a idéia salvadora.
Daquele momento em diante, se alguém se acidentasse com elevadores em São Paulo, a culpa não mais seria da prefeitura que cobrou para fiscalizar e não fiscalizou. A culpa seria, claro, da vítima do acidente, que não verificou "se o mesmo" encontrava-se parado no andar.
O pior de tudo é que uma cadeia de hotéis, das mais conceituadas, mesmo sabendo que a lei é paulistana, fez questão de espalhar as plaquinhas idiotas por outras cidades do Brasil.
Tudo bem, pode haver algum exagero da minha parte. A lei pode ser um instrumento de alta nobreza, elaborado com a intenção de salvar vidas. Tudo bem. Se alguém mostrar que este texto já salvou uma vida, uma única que seja, mudarei de idéia imediatamente e passarei a defendê-lo com ardor.
Nesse caso, o texto deverá passar a ser escrito também em braile, para beneficiar os deficientes visuais. Sistemas com avisos sonoros devem ser instalados para alertar os analfabetos. Também deve haver placas em posições de onde possam ser vistas pelos verticalmente prejudicados, que é a forma politicamente correta de se referir aos baixinhos.
Finalmente, não podemos nos esquecer de traduzir o texto para o inglês, o espanhol e o mandarim. Pareceu ridículo? Que nada. Ridícula é essa ou qualquer outra lei feita com a intenção de empurrar para ao cidadão responsabilidades do Estado. O Brasil precisa de muitas reformas. Entre elas, a reforma das mentalidades.
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Ricardo Galuppo é diretor de redação do Brasil Econômico
Fonte: Brasil Econômico - 16/5/2011