Penalizações como a que obriga a empresa a rever o projeto de mapeamento do Street View mostram que falta de respeito à privacidade pode comprometer a reputação
O Vale do Silício odeia receber ordens. Seu lema extraoficial seria "é melhor pedir perdão do que permissão". Em março, porém, o Google recebeu uma ordem. Na conclusão de uma investigação de dois anos sobre se o projeto de mapeamento do Street View violou proteções de privacidade, autoridades disseram à empresa para se reformular. De novo.
O Google repetidamente redefiniu como as pessoas se comunicam e adquirem conhecimento no século XXI, e foi repetidamente acusado de quebrar as regras no processo. A empresa diz ter levado a sério seus erros no caso e que já mudou. Nunca mais, afirmaram eles, um engenheiro de nível intermediário poderá fazer qualquer coisa como o que ocorreu no Street View: iniciar um programa para coletar dados secretamente de milhões de redes Wi-Fi sem criptografia no mundo todo, sem que seus chefes tenham qualquer ideia.
Para se certificar disso, uma coalizão de 38 estados americanos indicou inúmeras medidas específicas para o Google tomar, de educar seus engenheiros a educar seus advogados. Seja lá o que o Google estivesse fazendo antes para aprimorar seus controles de privacidade, não era suficiente, afirmaram os estados.
"Não há razão para acreditar que eles não irão cumprir todos os termos deste acordo", argumentou Matthew F. Fitzsimmons, o procurador-geral assistente de Connecticut que trabalhou no documento.
Jill Hazelbaker, porta-voz do Google, declarou: "Trabalhamos duro para melhorar nossas práticas".
Esperança na privacidade
Alguns especialistas em privacidade acham que o programa tem boas chances de sucesso.
"Isso me dá um lampejo de esperança de que, daqui para frente, a cultura do Google irá incluir mais privacidade desde a programação", afirmou Joseph L. Hall, principal tecnólogo do Center para Democracia e Tecnologia. "Então eles poderão fazer as coisas de forma inovadora sem precisar implorar perdão mais tarde."
Mesmo assim, é difícil fazer mudanças numa empresa de tecnologia extremamente bem-sucedida. Executivos do Vale do Silício lembram-se bem demais do caso da Microsoft, que comandava o futuro na década de 1990 – da forma como Google, Facebook e Amazon parecem comandar hoje. Então o governo dos Estados Unidos processou a empresa e quase a levou à falência. A imagem da Microsoft, e seu momento, nunca se recuperaram.
"O Google está tão preocupado quanto, se não mais preocupado, com a percepção pública do que com pagar algumas multas", garantiu Ryan Calo, professor de Direito na Universidade de Washington que estuda questões de privacidade. "Os leigos verão o acordo como uma prova de culpa."
Espírito de startup
Larry Page, cofundador e presidente do Google, deixou claro recentemente que quer que a empresa de 31 mil funcionários tente funcionar como uma startup, o que significa assumir riscos e fazer as coisas rapidamente. Esse foi o tipo de postura que levou à violação do Street View.
"Os estados estão tentando forçar uma cultura de privacidade, torná-la parte do DNA do Google", disse Timothy J. Toohey, especialista em privacidade do escritório de advocacia Snell & Wilmer. "Mas as agências reguladoras e os procuradores gerais não são tecnólogos, e fica muito difícil dar prosseguimento a isso."
Dentro do Google, o problema do Street View foi visto mais como uma questão de gestão do que de privacidade, segundo pessoas informadas sobre a investigação que não estavam autorizadas a falar publicamente. A empresa percebeu, segundo essas pessoas, que precisava de um controle mais claro sobre o que seus engenheiros estavam fazendo – e restrições mais rígidas sobre quais engenheiros recebem acesso a certos dados.
Houve também uma percepção, entre os executivos do Google, que essas penalizações de privacidade são importantes – no mínimo por seus riscos à reputação. Eles sabem que a empresa só pode aguentar um certo número de ataques diante da opinião pública, e o problema fica mais grave a cada novo ataque, disseram ex-executivos do Google sob condição de anonimato.
Em 2010, quando o caso do Street View apareceu publicamente, o Google nomeou Alma Whitten, engenheira com experiência em segurança computacional, como sua diretora de privacidade para produtos e engenharia. Desde então, a empresa somou cerca de 350 funcionários à sua equipe.
O Google também acrescentou novas regras para funcionários. Por exemplo, eles precisam fazer treinamento em práticas de privacidade e participar de palestras sobre o assunto, e engenheiros que supervisionam novos produtos devem manter documentos, revisados por auditores internos, detalhando como o produto lida com dados de usuários.
Segundo Hazelbaker, a porta-voz do Google, a empresa também contratou especialistas em privacidade e endureceu o controle. O Google declarou estar considerando questões de privacidade no início do desenvolvimento de produto.
Mesmo assim, os críticos mais ferozes do Google preveem que os negócios não vão mudar.
"As pessoas que se preocupam com privacidade têm de agradecer que os procuradores estaduais estejam tentando fazer seu trabalho, mas é difícil imaginar que esse último acordo fará muita diferença no comportamento do Google", disse Gary L. Reback, advogado do Vale do Silício que representou empresas apresentando queixas antitruste contra o Google – todas em vão. "Esta é a terceira vez que a empresa promete educar seus funcionários, incluindo uma ordem da Comissão Federal do Comércio, sempre sem sucesso."
Fonte: IG / 25/3/2013