December 04, 2012

'Fazer chip no Brasil é o futuro'

# Ex-presidente da Volks, Sauer é o idealizador da SIX, fábrica de semicondutores que despertou o interesse de Eike Batista

CLEIDE SILVA - O Estado de S.Paulo

Aos 82 anos, o alemão naturalizado brasileiro Wolfgang Sauer não quer se aposentar. Na terça-feira, 20, estava em Belo Horizonte ao lado do governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, no anúncio da fábrica de semicondutores Six, que deve iniciar operações em 2014. Ele é dono de pequena fatia da empresa, que tem como sócios majoritários o empresário Eike Batista e o BNDES.

Sauer é o idealizador do projeto, fruto de seu trabalho nos últimos 12 anos. "Achei que o Brasil precisava de uma fábrica de semicondutores, era um sonho meu. E queria que essa empresa fosse nacional para que a tecnologia ficasse no País". Ao conhecer o projeto, o próprio Eike o procurou para a parceria. O investimento de R$ 1 bilhão não tem dinheiro de Sauer.

Nos meios empresarial e governamental, o alemão que chegou ao Brasil na década de 60 e em 1973 assumiu o comando da maior fabricante de carros da América Latina, a Volkswagen, é considerado uma das pessoas mais importantes no desenvolvimento da indústria automobilística brasileira. Ele comandou a VW por 20 anos, num período em que a fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, chegou a ter 46 mil funcionários. Manteve relação próxima com os governos que passaram pelo Palácio do Planalto. Era chamado para opinar toda vez que uma medida econômica estivesse em gestação. Ainda assim, peitou o Estado ao ir à Justiça contra a política de controle de preços. Em outra ocasião, quase foi expulso do Brasil.

Ao sair da VW, aposentou-se oficialmente, mas permaneceu na ativa. Abriu uma empresa de consultoria, a WS Consult, que mais tarde deu origem à WSGE, a empresa que tem participação na Six Semicondutores. "Sempre tenho de fazer alguma coisa", diz.

Na noite de quarta-feira, o executivo lançou em São Paulo o livro "O homem Volkswagen", que conta sua trajetória de mais de 50 anos de Brasil. Na manhã do dia seguinte, recebeu a reportagem do Estado no hotel onde se hospedou, na região do Itaim.

O alemão corpulento, articulado e falante de outrora hoje caminha com dificuldade e dá respostas breves, mas mantém o encanto que conquistou funcionários, fornecedores, concorrentes, ministros e presidentes. Sauer escapa de alguns temas, como a tentativa do então presidente João Figueiredo de expulsá-lo do Brasil, nos anos 80, durante um período de crise em que a montadora precisou fazer demissões em massa. Só não conseguiu porque ele já havia se naturalizado. A seguir, trechos da entrevista:

- Como nasceu o projeto da fábrica de semicondutores?

Surgiu há 12 anos. Eu achei que o Brasil precisava de uma fábrica de semicondutores. Busquei especialistas na Alemanha, fizemos um projeto e depois houve uma longa busca por parcerias. Não há dúvida nenhuma de que o Brasil precisava desse tipo de indústria, e agora temos. É a única em toda a América Latina. A Six é o projeto do futuro, vai acompanhar a evolução futura e tecnológica do País.

- Qual sua participação na Six?

É uma participação pequena. O BNDES e o Eike Batista têm um terço cada e a outra parte é dividida entre a WSGE - constituída por brasileiros e técnicos alemães. Também estão nessa fatia a IBM, que vai fornecer a tecnologia, a Matec e o BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais).

- Foi o senhor quem procurou o Eike Batista para participar do negócio?

O Eike soube do projeto através do Eliezer Batista (ex-presidente da Vale, ex-ministro de Minas e Energia e seu pai), e se enamorou.

- Por que levou tanto tempo para sair do papel?

Demorou para acharmos pessoas para compor o projeto porque houve muitas propostas de estrangeiros, mas eu fazia questão que tivesse capital nacional. Se você começa um projeto com empresa estrangeira, a tecnologia fica na matriz. Eu quero que a tecnologia fique no Brasil e seja difundida aqui.

- Como o sr. vai acompanhar o projeto?

Tenho uma equipe que vai tocar o projeto, mas eu vou estar em contato. Se precisarem que eu os acompanhe no dia a dia, eu vou.

- Sua empresa entra com dinheiro na fábrica?

Não tem investimento em dinheiro. Entramos com o projeto, que está tecnologicamente amarrado, inteiro. O semicondutor é a base da tecnologia digital.

- Como o sr. vê a indústria automobilística hoje?

Avançou absolutamente para o nível internacional.

- O presidente Collor disse que os carros brasileiros eram carroças. Mudou de lá para cá?

Houve muita evolução, inclusive tecnológica. A indústria não fica parada e vai continuar evoluindo. Em breve não vai haver diferença entre o carro brasileiro e o carro lá de fora.

- Mas a Kombi, que já era fabricada quando o senhor chegou, continua até hoje.

E ainda vai continuar.

- Em 2014, com a obrigatoriedade do airbag, ela terá de sair de linha, pois não há como equipá-la com esse item.

Vamos ver.

- O senhor acha que o setor automobilístico é muito protegido?

Por quem?

- Sempre recebe incentivos do governo...

Isso é besteira. O que é dado aqui é igual em qualquer outro país. Não tem nada de vantagem. Só falam isso por razões políticas.

- O carro elétrico tem futuro?

Sim, mas vai levar muito tempo para ter uma participação importante na indústria do mundo todo.

- Quando comandou a VW, o sr. tinha influência forte no governo, era sempre chamado para opinar. Qual empresário tem esse papel hoje?

Não conheço ninguém. Mas há pessoas do ramo e organizações que têm esse contato, mas não têm a relação que eu tinha. Nenhuma decisão nova era tomada sem antes falar comigo.

- O sr. conseguiu influenciar muitas decisões?

Não influenciava, só dava minha opinião.

- O sr. cita no livro que por várias vezes teve de convencer a matriz na Alemanha a manter a VW no Brasil. Em que situações isso ocorreu?

Em diferentes ocasiões. Se a situação da época, quando perdemos muito dinheiro, não tivesse mudado, ela teria saído. Houve momentos, quando os preços eram controlados, que a matriz questionava: quem manda na fábrica? Somos uma estatal ou uma companhia privada? Se não nos querem aqui, então vamos embora. Mas isso é passado. Não quero tocar mais nesse assunto.

- Hoje a matriz deve agradecer muito o sr. por tê-la convencido a ficar.

Lógico.

- Como foi o episódio em que o presidente João Figueiredo ameaçou expulsá-lo do Brasil? Isso não está no livro...

É passado, não interessa mais.

- O senhor enfrentou o período mais forte do movimento sindical. Como foi essa relação?

Sempre foi de diálogo e respeito. Hoje a relação é mais fácil. Eles aprenderam que a defesa do trabalhador é uma obrigação. Mudaram muito. Não é tão impositivo como era. Eu me dava muito bem com o sindicato, com o Lula.

- O sr. ligou para o Golbery (ministro do presidente Geisel) e pediu para soltar o Lula quando ele foi preso na ditadura. Por quê?

Falei para o governo liberá-lo porque a prisão não traria nada. Aquele homem preso se transformaria em mártir, interrompendo um diálogo feito no dia a dia de cada greve deflagrada.

- Que avaliação o sr. fez do Lula como presidente do Brasil?

Não se pode queixar.

Fonte: O Estado de S. Paulo - 3/12/2012

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