Rodrigo Sias - Economista pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
No artigo da semana passada, terminei a minha análise sobre o impasse da dívida americana chamando-a de "abismo moral". Há dois sentidos no termo moral usado por mim.
O primeiro sentido é aquele ligado à moralidade. Mas por que haveria um problema moral aqui? Simples. Uma dívida pública crescente tem a ver com a discussão do tamanho do Estado na economia e na sociedade, e, portanto, na vida privada das pessoas.
Quanto maior a dívida, maior o Estado. É, portanto, uma discussão sobre o tipo de país que se quer construir.
Os planos do governo Obama prevêem aumento de impostos para financiar o aumento de "gastos sociais", tais como o chamado "Obamacare", megaplano de saúde pública.
Mesmo com aumento de impostos, o plano de Obama elevará a dívida de forma inédita e estrutural. De todos os modos, o Estado irá crescer. A tradição dos EUA sempre prezou pela meritocracia, a livre iniciativa, a competição e por um Estado enxuto, com poucos impostos.
Este é o conjunto de valores que fundou o país. Obama, ao querer criar um estado assistencialista padrão europeu, vai contra esses valores, criando uma população acostumada às benesses estatais. Romney tinha razão ao criticar durante a campanha o fato de que quase metade da população americana já vivia com apoio governamental.
O segundo sentido é o econômico, quando a palavra está relacionada ao campo que estuda o comportamento face ao risco. O moral hazard ou risco moral é basicamente uma falha de mercado que ocorre quando a existência de um atenuante externo contra um determinado risco aumenta a probabilidade de ocorrência da situação que origina tal risco.
O exemplo mais usual é o seguro de carro. Confiante na cobertura, o dono do automóvel fica mais descuidado e toma atitudes que aumentam sua probabilidade de ser roubado ou de bater, diminuindo a eficácia do seguro.
Outro exemplo interessante foi dado pelos grandes bancos na crise financeira de 2007. A garantia de salvamento implícito pelo banco central - "bancos grandes demais para quebrar" - os incentivou a aumentar suas operações de risco, com os resultados conhecidos.
Mas por que a dívida americana seria um problema de risco moral? Isso decorre do que Charles De Gaulle chamou de "privilégio exorbitante": os EUA podem financiar seus déficits no balanço de pagamentos emitindo sua própria moeda. Grande vencedor da 2ª Guerra Mundial, o país impôs o dólar como moeda internacional nos acordos de Bretton Woods.
Se os países não aceitassem o dólar, ficariam de fora da prosperidade americana. Enquanto o risco moral usual ocorre devido a assimetrias de informação, o risco moral da dívida americana ocorre por conta da assimetria de poder entre os EUA e os demais países.
A segurança de emitir a moeda referência se traduz no convite para um balanço de pagamentos crescentemente deficitário, uma política fiscal super expansiva e incentivos monetários cada vez mais frouxos para estimular a economia. Toda essa situação tem minado a economia dos EUA, cada vez menos competitiva, diminuindo a assimetria que garante o próprio privilégio americano de ser o "BC mundial".
A verdade é que o "privilégio exorbitante", que deveria significar um alargamento quase infinito da restrição externa americana, está agora comprometendo sua posição de potência econômica.
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Rodrigo Sias é Economista pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fonte: Brasil Econômico - 5/12/2012