Especialistas afirmam que, no mercado do café, o país é o mais preparado para a norma
Em termos de comercialização de café, o Brasil está preparado para atender às exigências do Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês), que tem implementação prevista para o fim deste ano. Por sinal, especialistas enxergam o país em condição mais avançada até mesmo do que nações do Velho Continente.
As afirmações ocorreram durante esta quinta-feira (23), o último dia do 24ª Seminário Internacional do Café. Organizado pela Associação Comercial de Santos (ACS), o evento foi realizado no Blue Med Convention Center, na Ponta da Praia, em Santos.
A legislação da Europa acabou sendo o assunto principal do painel “Regulatório/Agenda Verde: O novo cenário do fluxo do comércio global de café em tempos de ESG”. O CEO do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Antônio Matos, mediou a conversa.
Durante as explanações, muito se falou a respeito de as normas previstas no EUDR ainda serem nebulosas por conta da falta de informações. Os painelistas, inclusive, disseram que existem diversas incertezas.
No entanto, o consultor internacional Incl. Cecafé, Michael Von Luehrte, tratou de assegurar: “A legislação vai impactar todos os países produtores, não há exceção. Mas, o preparo que o Brasil tem é maior que o dos europeus. Só posso parabenizar o setor. Vai dar tudo certo”.
A opinião foi ratificada pelo diretor nacional da Rainforest Alliance, Yuri Feres. Ele afirmou que a lei brasileira ajuda a nação a se adaptar às exigências. “O Brasil, certamente, é o país melhor posicionado. De longe, é o melhor preparado. Temos uma legislação florestal que é uma das melhores do mundo, a mais restritiva (...) Estamos além da maioria. Não fosse a lei, não estaríamos tão preparados para qualquer coisa que venha”.
O diretor-executivo da Associação Britânica de Café, Paul Rooke, chegou a falar que o Brasil é privilegiado. “Vocês são um dos países mais bem colocados para atender aos requerimentos, embora tenham de fazer alguma adaptação. Vocês tomaram posições que os colocaram em condição de liderança”.
A secretária-geral da Federação Europeia do Café, Eileen Gordon Laity, declarou que o país está “na linha de frente, e isso pode trazer vantagens”. Ela também asseverou que a nação “lidera pelo exemplo”.
Se a posição brasileira é positiva, o mesmo não se pode dizer de vários outros produtores. Feres ressaltou que há outras localidades que enfrentarão dificuldades com a lei europeia. “Teremos uma disrupção no mercado”.
Van Luehrte foi além, apontando continentes que preocupam. “O desafio é como países na África, Ásia e América Central vão se preparar para a legislação. A maioria não está preparada até hoje”.
A EUDR impõe a proibição da importação, por parte da União Europeia, de produtos provenientes de áreas desmatadas após dezembro de 2020. Além do café, a norma afeta a comercialização de soja, cacau e madeira, entre outros.
Sustentabilidade e eficiência
A preocupação com o meio ambiente seguiu em pauta, sendo um dos assuntos do painel “Inovação para navegar num futuro climático desafiador e IA (Inteligência Artificial) na agricultura”. A responsável pela mediação foi a CEO e cofundadora da Salva, Mariana Caetano.
Em sua fala inicial, ela ressaltou que as mudanças climáticas extremas causam problemas. “A agricultura é vulnerável, mas temos mecanismos surgindo, para ajudar a mitigar e adaptar aos novos tempos”.
Um destes recursos já disponíveis foi citado pela diretora de cadeia alimentar e sustentabilidade da Yara International, Tizita Sileshi. A executiva citou que sua empresa desenvolveu uma plataforma, com dados e indicadores de sustentabilidade, de acordo com o que é exigido na cadeira de responsabilidade do café. O sistema traz indicadores de saúde do solo, que ajudam a criar melhorias, permitindo impulsionar mudanças e descarbonização dos sistemas de produção de alimentos.
“Não é uma plataforma só para a Yara. Existe um problema no setor e queremos fazer parte da solução. Devemos trabalhar juntos, aumentando a eficiência e tornando a cadeia de produção mais sustentável”, frisou.
Esta não foi a única inovação mencionada. O líder de inovação na empresa John Deere, Leandro Carrion, citou outras ferramentas capazes de potencializar e otimizar todo o trabalho no cultivo e na produção.
“Lançamos a pulverizadora autônoma. Esta revolução é grande para o mercado de café, pois não tem exposição do operador no campo — ele controla a máquina à distância. Isso é otimização de mão de obra”, disse, destacando que existem mais ferramentas, que utilizam câmeras, sensores e inteligência artificial.
Apesar destes e de outros mecanismos que estão sendo desenvolvidos e colocados em ação, o vice-presidente da Divisão de Soluções para Agricultura da BASF no Brasil, Marcelo Batistela, disse que o setor tem um obstáculo a superar. “Integrar tecnologias. É um desafio atual, que precisa ser trabalhado”.
Mesmo assim, o CEO da Syngenta Proteção de Cultivos, André Savino, que comandou o painel “Syngenta”, reforçou que o resultado do incremento da tecnologia será positivo para as operações dos produtores. “A digitalização é importante, porque ela assegura a eficiência em larga escala”.
Evidentemente, isto passa por investimentos. Deste modo, o cofundador e sócio-diretor da SP Ventures (SPV), Francisco Jardim, destacou a importância de o setor injetar recursos em inovação. “Para criar novas tecnologias, tem de casar novas plataformas com novos modelos de negócios”.
Ainda assim, mesmo que haja mais dinheiro nas operações e o desenvolvimento de novo maquinário, não se pode esquecer da atuação humana. “Temos de pensar em pessoas, em formação, na capacitação. Um componente fundamental é o conhecimento”, falou Batistela.
Marketing
Na última quarta-feira (22), o segundo dia do seminário, Ricardo Amorim, considerado pela Revista Forbes o economista mais influente do Brasil, afirmou que “a marca Brasil ou não existe, ou é muito fraca lá fora”. O assunto foi abordado novamente, desta vez pelo presidente do McCann Worldgroup, Hugo Rodrigues.
Natural de Santos, o executivo asseverou que, realmente, há necessidade de explorar melhor os fatos de o país ser o maior produtor e o segundo maior consumidor de café. Para ele, uma mudança começa com o agronegócio passando a levantar a bandeira do grão.
“Quando falamos de agro, você vê tudo, mas não o café. Na última década, ultrapassamos grandes potências em exportação. Só que temos a síndrome do cachorro vira-lata. Não vibramos, não há divulgação”, citou.
Ainda que haja uma mudança em termos de exposição dos resultados, o publicitário avisou que os resultados tendem a demorar. Por isso, ponderou que “a constância é mais importante do que se imagina. Ignoramos isso, e a inconstância é um perigo”.
Ele também falou que a marca precisa capturar e manter sua participação no mercado, também fidelizando o consumidor. Entretanto, isto depende de algumas atitudes obrigatórias do setor: “Para brigar, tem de superar as expectativas do que se promete. Então, lute contra você mesmo. Inspire confiança, personalize suas mensagens. Crie tendências, repense, reinvente e repita. Também respeite os consumidores e proporcione experiências de impacto. (Por fim) Compartilhe seus valores”.
Produtos e consumo
O último painel do dia foi “Demanda: o futuro do uso da cafeína como bebida e outras maneiras de consumo”. O vice-presidente da ACS e diretor-comercial da Empresa Interagricola S/A (EISA), Carlos Santana, mediou o diálogo.
Aqui, os convidados citaram que os mercados apresentam tendências que permitem à indústria investir em produtos diferentes. O diretor-geral na Keurig Trading, Cyrille Jannet, por exemplo, citou que bebidas prontas feitas com café constituem uma oportunidade. No entanto, ele mencionou pontos que devem ser levados em consideração.
“Precisamos pensar no consumidor e em suas escolhas. A qualidade tem de ser o primeiro item quando se lança um produto. Também necessitamos ter cuidado para prover soluções, trazendo qualidade e conveniência, mas também preço. Não podemos esquecer do valor”, destacou.
Já o presidente do Colcafé, Francisco Gómez, falou de outras preferências vistas em diversos lugares. “A América Latina é semelhante a várias partes do mundo. As pessoas querem menos açúcar, com maior personalização”.
Ele disse, também, que opções como o café gelado chegaram “para ficar”. Contudo, para o especialista, é preciso estimular mais gente a apreciar tipos premium. “Na Colômbia, menos de 10% consomem (estes itens). Por isso, precisamos de inovação”.
Por sua vez, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), Pavel Cardoso, afirmou que deseja ver o país ganhando mais dinheiro. “O Brasil representa 40% do café no mundo, mas ficamos com 16% da fatia global. Não consigo entender como países que não plantam tem receita maior no comércio global”.
O executivo também declarou que a nação deve passar a negociar outras mercadorias, como cápsulas. “Temos de exportar também o produto acabado”.
Também estava prevista a participação do presidente do Grupo Lavazza, Giuseppe Lavazza. Contudo, o especialista não conseguiu comparecer ao evento. Mesmo assim, ele mandou um vídeo, citando a importância do Brasil no mercado cafeeiro e algumas dificuldades enfrentadas, como as questões climáticas.
Depois das explanações, ocorreu a festa de encerramento do fórum. Na Estação Valongo, os participantes do evento curtiram um show da cantora Elba Ramalho.
A atração musical fechou um fórum histórico, que foi realizado pela primeira vez em Santos e bateu o recorde de participantes, com 800 inscritos, divididos em xx países. Também vale destacar que a organização inovou, trazendo palestras silenciosas.
O 24º Seminário Internacional do Café tem o patrocínio da Autoridade Portuária de Santos (APS), Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), MSC, Stonex, Serasa Experian, Nucoffee, Agridrones, CAIXA e Cooxupé.