Publicado em:
Site da ABTTC, 21/5/2012, segunda-feira
Guia Portuário
Por: Martin Aron - Presidente da ABTTC - Associação Brasileira dos Terminais Retroportuários e das Empresas Transportadoras de Contêineres
Desde a guinada desenvolvimentista provocada pela modernização dos portos brasileiros, há quase duas décadas, os anos recentes têm sido marcados por uma contradição de natural entendimento. Em que lugar, a não ser no Brasil, o forte crescimento do Comércio Exterior poderia conviver com as deficiências de infraestrutura? Sejam portos, aeroportos, rodovias ou hidrovias, a constatação é, no mínimo, de evidente ambigüidade: faltam investimentos do poder público, mas a quantidade de produtos comercializados, seja na exportação, seja na importação, mostra, a cada ano, sucessivos recordes. Nem mesmo a grave crise internacional de 2008-2009 deteve de forma significativa essa marcha.
Desnecessário falar sobre os vultosos e importantes investimentos realizados pelas empresas privadas nos Portos brasileiros quando lhes foi permitida a missão de operar, com modernidade, as antigas e desatualizadas instalações portuárias. O segmento portuário contou, ainda, com outras importantes iniciativas do Governo Federal. Uma delas é, sem dúvida, a criação da Secretaria de Portos, ação que fez com que os Portos passassem a ser atendidos no “andar de cima”. Outra, a instituição do Reporto, que incentivou enormemente a realização de investimentos nos Portos. Que as injunções políticas da “governabilidade” não provoquem retrocessos, os Portos não podem ser apenas uma mesa num departamento.
O binômio da contradição – falta de capacidade para investimentos públicos em infraestrutura versus crescimento do comércio exterior – não deve, de forma alguma, ser motivo de pessimismo. E não o é. A onda crescente de investimentos externos em nossa economia é um sinal de que ajustes devem ser feitos; cabe a nós, representantes de entidades e de empresas privadas, acompanhar, pressionar e trabalhar ao lado dos agentes públicos para que haja, efetivamente, a execução do que é planejado. Resumindo, fazer com que o discurso político seja igual à prática administrativa.
Falamos sobre planejamento, investimentos públicos, incentivos – todos temas críticos - e rebatemos de forma clara o pessimismo absoluto. Nenhum conceito de autoajuda ou pensamento positivo nos levou a isto. O que nos levou a isto é uma espécie de constatação, a de que (infelizmente, é claro) no Brasil os Planos surgem quando as demandas são ou estão prestes a se transformar em Gargalos. Não nos referimos apenas ao mais atual e crítico, o gargalo do acesso rodo e ferroviário ao Porto de Santos, (deixemos de lado as hidrovias). Referimo-nos a todos os projetos que objetivem dotar os Portos da infraestrutura necessária para uma maior competitividade dos produtos nacionais.
Para ilustrar esses aspectos, separamos alguns trechos de textos e leis que tratam das questões portuárias que, sem nenhuma intenção de sarcasmo ou ironia, lembram, com tinturas de humor, uma Máquina do Tempo. Humor à parte, não nos olvidemos do fato de que a Abertura dos Portos já completou dois séculos...
Em 1802, o Príncipe Regente D. João, referindo-se aos Portos do Brasil, expediu Alvará com o Objetivo de Coibir o Contrabando de Mercadorias nos portos do Brasil. Sete anos antes da Abertura dos Portos, dizia o então futuro D. João VI, entre as sete páginas, “...Que tendo informação do dano... Ao Commércio , porque todos os Sobre-Cargas, Caixeiros, Officiaes, e mesmo alguns Marinheiros, levão Fazendas que lhes fião, e para as apurarem a dinheiro nos dias que alli se demorão, as vendem com enormes rebates, e perdas, de que resulta o empate daquellas, que mandão vir os Negociantes, e que não podem ressarcir, com outros lucros, semelhantes perdas causadas por esta espécie de Comissários Volantes”. Mantivemos a grafia original – possuímos a publicação feita em 1802 - e esperamos que não prejudique o entendimento.
No tema dos custos portuários, poucos sabem que Ruy Barbosa, em 12 de janeiro de 1918, assinou um parecer que procurava responder à seguinte questão: “Tem a Companhia Docas de Santos direito de cobrar, além da taxa de carga e descarga, a de capatazias, pelo serviço de embarque e desembarque de mercadorias que não passam pela Alfândega, e que, recebidas nos portões dos cáes, são levadas aos navios, ou vice-versa, que descarregadas dos navios, são entregues aos destinatários nos portões do cáes?”. O parecer tem 104 páginas em letra miúda, fato que indica que nem mesmo nosso Águia de Haia conseguia ser objetivo nas questões portuárias. O parecer foi solicitado pelo Governo do Estado de São Paulo.
E a dragagem de nossos portos? Desde a criação da Secretaria de Portos, em 2007, temos um plano e cronogramas que são executados com positivos resultados. Essa evolução tem de ser mantida e continuada e sabemos que há controvérsias até mesmo em relação às profundidades oficiais, aquelas que o comandante do navio aceita como segura. Conta Prestes Maia que “Em 1913 o “Cap Finister”, ao entrar no Porto de Santos, bateu no fundo; pouco depois o Loide Alemão comunicava que os seus navios da classe Cap (28 pés) não mais tocariam em Santos. Em 1920 a ‘Royal Mail’, em aviso semelhante, retirava da escala os seus vapores do tipo ‘Órbita’, que requeriam 9,95 metros. Em 1924 e 1925 encalhou, por duas vezes e onde as cartas acusavam fundo, o transatlântico norte-americano ‘Southern Cross’ que calava 271/2 pés”. .
Contemplemos também o já mencionado Gargalo da Acessibilidade Rodo e Ferroviária ao Porto de Santos, do qual resultam congestionamentos de vias e de áreas de armazenagem. Em 1892 a Associação Comercial de Santos relatava que “Verdadeira anarquia reina em quase todos os serviços de Santos; os armazéns da Alfândega, as pontes, os armazéns particulares, os pontões, as praças e ruas públicas acham-se empilhados de mercadorias, a maior parte sujeita às intempéries e ao roubo. A gatunagem tem tomado subido impulso; quadrilhas para tal fim organizadas dão caça às mercadorias assim abandonadas e a polícia sente-se impotente para dominar esta nova indústria... Ainda agora está a municipalidade procedendo à remoção para o Largo José Bonifácio, centro da cidade, grande número de volumes violados e quebrados que foram abandonados no litoral!”.
A insuficiente capacidade da ferrovia S. Paulo Railway era apontada como a principal causadora dos congestionamentos. Essa situação perdurou até meados da década dos 1920, quando se iniciou um forte movimento que defendia investimentos no Porto de S. Sebastião, uma vez que “o Porto de Santos era inviável”. Tanto que um dos relatórios acusava, ainda no século XIX: “Cálculos exatos mostram que, fechado hoje o Porto de Santos, a S, Paulo Railway teria serviço ininterrupto para um ano, no transporte das mercadorias existentes aqui!”.
É por essas e outras semelhanças do passado (já) longínquo e do presente que somos otimistas. O Porto de Santos, graças, provavelmente, à boa prática de termos profissionais técnicos à frente da gestão, atingiu, em 2011, quase 100 milhões de toneladas, numa clara demonstração de que os problemas, embora cíclicos, não impedem seu desenvolvimento. Lamentavelmente, tornaram-se usos e costumes. Vários dos exemplos são demandas “atuais” há cerca de 100 anos.
A ABTTC – Associação Brasileira dos Terminais Retroportuários e das Transportadoras de Contêineres, há mais de trinta e cinco anos, através de suas empresas associadas, debate, contribui e propugna por melhorias e por condições isonômicas de trabalho. Em estreita colaboração com as autoridades e órgãos de fiscalização e de administração, num momento em que a economia mundial apresenta incertezas, desejamos ver um novo ciclo de realizações, baseado no Planejamento da Infraestrutura Portuária do Brasil. E a ABTTC estará lutando com independência, sempre ao lado dos que querem ver os Planos efetivamente executados.