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A Tribuna, 22/3/2012, quinta-feira, página C-6, Porto & Mar
SAMUEL RODRIGUES
DA REDAÇÃO
A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) quer regulamentar a cobrança de uma taxa anual pelo uso do chamado espelho d'água trecho de mar ou rio em frente a propriedades privadas e que afeta tanto os grandes terminais marítimos privados quanto donos de residências com píer avançado sobre a água.
A portaria SPU 24/2011 determinou o pagamento de uma taxa pelo uso de um trecho de mar ou rio, referente ao espaço ocupado por embarcações para a utilização de estruturas avançadas sobre a água, se estas estão localizadas a até 12 milhas náuticas (22,22 quilômetros) da costa.
A taxa é cobrada de acordo com o tamanho do trecho de água usado. Para isso, a SPU considera o valor venal do imóvel dividido pelo metro quadrado do terreno lindeiro ou seja, onde está construído o terminal ou a casa , ao qual é aplicada uma porcentagem.
A Secretaria de Patrimônio da União diz que a medida não vale para terminais marítimos de uso público, embora esta condição não esteja expressa no texto aprovado e publicado da portaria. Neste caso, só afeta aqueles que efetivamente pertencem à iniciativa privada.
Também neste caso há uma exceção: o interesse público define quem tem que arcar com a taxa ou não. A Petrobras, por exemplo, possivelmente não será cobrada. "Estamos pensando em rever (a cobrança) justamente porque existe uma finalidade pública, ainda que feita por uma empresa", explicou a assessora especial para Legislação Patrimonial da SPU, Evangelina de Almeida Pinho, na manhã de ontem, após discussão do tema no IV Seminário sobre o Direito Portuário, no Teatro Guarany, no Centro de Santos.
O cálculo estabelecido para a definição do valor é bastante complicado, o que a própria Secretaria admite. Por essa razão, o órgão está refazendo o texto da portaria. Com esta finalidade, ouvirá, até julho, representantesde terminais eórgãos públicos para definir a questão.
O assunto é polêmico, supostamente gerou pagamentos com valores distorcidos e enfrenta a resistência da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), cujo entendimento é de que a medida, antes de mais nada, é inconstitucional.
"A água é bem de domínio público", disse o presidente da ABTP, Wilen Manteli, em palestra no mesmo seminário sobre a questão, lendo trecho da Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos."Sendo assim, no máximo poderia cobrar (taxa sobre espelho d'água) se prestasse serviço de polícia, por exemplo", completou.
Manteli afirma que a SPU "não tem competência para impor o pagamento" e acusa o órgão de apenas procurar obter mais arrecadação com a medida. "Eles (SPU) estão despreocupados com o interesse nacional. Se a intenção é onerar o terminal portuário, por que então estender o Reporto?", questionou, citando o regime federal, prorrogado no final do ano passado, que estabelece desconto em tributos para incentivar o investimento de empresas privadas na compra de equipamentos portuários importados, a fim de modernizar as operações.
Seguindo esta linha de raciocínio, Manteli disse pensar que a SPU deveria ser parte do Ministério do Desenvolvimento, e não do Planejamento. "Os investimentos nestes terrenos (com saída para mar e rio) devem ser instrumentos de desenvolvimento, não de arrecadação".
Segundo o representante dos terminais, ao menos três instalações marítimas se adiantaram e pagaram a taxa, por temerem serem considerados irregulares. Em um desses casos, o valor chegou a R$ 20 milhões, afirma.
A SPU entende que pode modificar instrumentos infralegais (portarias, por exemplo), sem necessidade de submeter tal decisão ao Congresso Nacional. "É um processo amplo, que vai mudar de fato a legislação como um todo, pegando conceitos importantes, inclusive a questão dos terrenos de marinha", afirmou Evangelina.
A assessora especial admite que "a fórmula atual é horrível", mas diz que não tem jeito: quem não procurar a SPU até julho para acertar as contas será considerado irregular.
Ciente de que será chamado para opinar sobre a portaria, Manteli adiantou que não concordará com nenhum pagamento que seja imposto, mesmo que tenha o valor reduzido da casa dos milhões para ser aceito.
O seminário sobre Direito Portuário foi patrocinado pelo próprio Governo Federal, diretamente, além de empresas estatais e associações que defendem os interesses dos terminais portuários, como a Abratec (Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público) e a Abtra (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados), com apoio da Prefeitura de Santos e da Associação Comercial de Santos.
POSSIBILIDADES E DÚVIDAS
"Estamos pensando em rever (a cobrança) justamente porque existe uma finalidade pública, ainda que feita por uma empresa"
Evangelina de Almeida Pinho, assessora especial da SPU
"Eles (SPU) estão despreocupados com o interesse nacional. Se a intenção é onerar o terminal portuário, por que então estender o Reporto?"
Wilen Manteli, presidente da ABTP