March 21, 2013

A austera Cármen Lúcia, royalties e o império da lei

Octávio Costa - Editor-chefe do Brasil Econômico (RJ)

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, fez exatamente o que se esperava ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelo governo do Rio de Janeiro contra as novas regras de distribuição dos royalties do petróleo.

Concedeu liminar suspendendo os efeitos da decisão do Congresso enquanto se aguarda o julgamento do mérito pelo plenário do STF.

Ela entendeu que, até lá, os estados produtores podem ter prejuízos irreparáveis. Embora a medida seja de caráter cautelar, a ministra referiu-se à "plausibilidade jurídica dos argumentos e deixou antever seu futuro voto sobre a polêmica: "Se nem certeza do passado o brasileiro pudesse ter, de que poderia ele se sentir seguro no Estado de Direito", perguntou Cármen Lúcia, em seu despacho de 35 páginas.

O que está em jogo, na questão dos royalties, é uma cláusula pétrea do direito constitucional: as leis brasileiras não têm efeito retroativo, a não ser quando trazem benefícios.

Também se ensina nas arcadas do Largo São Francisco, em São Paulo, e no Largo do Caco, no Rio, que os contratos, firmados livremente e de acordo com a legislação, devem ser respeitados e mantidos.

De forma simples e direta, nos regimes democráticos, não se mexem em direitos adquiridos e também não se alteram cláusulas contratuais perfeitas e acabadas. Como afirmou a austera mineira Cármen, na liminar, é preciso, pelo menos, ter certeza do passado.

Se o legislador tiver autonomia para fazer leis com poderes retroativos, a insegurança jurídica tomará conta do país. O que vale hoje simplesmente não valerá amanhã.

Como assumir compromissos sem o império da lei? No Estado de Direito, respeitam-se o passado e os contratos. Nos regimes autoritários, sim, as leis são letra morta.

Em seu filme "Sessão Especial de Justiça", de 1975, Costa Gravas conta um episódio da França ocupada, no qual a Suprema Corte se curva aos algozes nazistas para condenar à morte quatro autores de um atentado.

Não havia pena máxima para os crimes políticos, mas, sob pressão de Hitler, os juízes se acovardaram, elaboraram uma lei draconiana e a aplicaram aos jovens heróis da Resistência.

No Brasil, o STF dobrou-se às pressões do governo num caso menos dramático. Feriu direitos adquiridos ao permitir que se descontasse o Imposto de Renda de aposentados.

Também se fecharam os olhos quando foi criado o fator previdenciário que pune os trabalhadores que se aposentam antes dos 65 anos.

Tratava-se, obviamente, de uma quebra de contrato, mas o STF argumentou que era "uma questão de Estado". A Previdência poderia quebrar. Ao espaço, portanto, com o direito adquirido e o contrato em vigor.

Ainda bem que a ministra Cármen Lúcia defende o primado da lei. O direito dos estados produtores aos royalties foi estabelecido pela Constituição de 1988.

É plausível que se distribuam os royalties de novas províncias petrolíferas, no pré-sal e na costa. Mas não há como fatiar a receita dos campos que já produzem.

Nas palavras de Cármen Lúcia, não é possível ter por incerto o passado.

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Octávio Costa é editor-chefe do Brasil Econômico (RJ)

Fonte: Brasil Econômico - 20/3/2013

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