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A Tribuna - 9/5/2014, sexta-feira, página C-1, Economia
# Seminário Internacional do Café de Santos, encerrado ontem, mostra que setor supera desafios com tecnologia e sustentabilidade
DA REDAÇÃO
O avanço da tecnologia mudou a produtividade do café nas últimas quatro décadas. Em regiões de Minas Gerais acostumadas a investir em pesquisas, a mecanização, que era um desafio para a cultura, chegou a multiplicar por sete o volume de colheitas de sacas.
Um dos palestrantes do último dia do 20.º Seminário Internacional do Café de Santos, o presidente da Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Monte Carmelo (Copermonte), Creuzo Takahashi, conta que a produtividade em sua região era de dez sacas por trabalhador em 1978. Com as plantadoras mecânicas, o volume subiu para 70 neste ano. A mecanização, que há 36 anos era responsável por 30% dos custos de produção, agora são de 12%.
Takahashi, que produz no Cerrado Mineiro, conta que o investimento em tecnologia também permite ao cafeicultor de sua região conseguir reduzir o impacto da seca. Ele acha que os danos às lavouras vão durar menos tempo nas propriedades ligadas à Copermonte.
O seminário foi encerrado no Hotel Sofitel Jequitimar, em Guarujá, ontem pelo vice-presidente da Associação Comercial de Santos (ACS), JohnWolthers. A ACS é a realizadora do evento, que contou com o apoio institucional do Sebrae.
A pesquisa e o avanço tecnológico permitem também à cafeicultura acelerar as práticas de sustentabilidade – uma série de atividades e programas de gestão para preservar os recursos naturais para as próximas gerações. As metas mais imediatas são economizar água e energia e proteger o solo e a saúde do trabalhador.
Na região de Guaxupé, no Sul de Minas, a alta produtividade, com 40 sacas por hectare, facilita os investimentos em sustentabilidade.
Segundo o coordenador de Programas Sustentáveis da Cooxupé, Edson Guerrero, a intenção é ter um quinto dos produtores com certificação.
“São 100 produtores e 10 mil hectares (duas vezes e meia a área insular de Santos) certificados com café de altíssima qualidade”, afirma Guerrero.
NESTLÉ
Dois dos maiores compradores de café do mundo, a suíça Nestlé e a americana Starbucks, adotaram programas agressivos de sustentabilidade. Elas exigem de pequenos, médios e grandes fornecedores metas de redução de consumo de água e de energia, entre outros itens, tudo com auditoria das certificadoras de sustentabilidade.
A Nestlé adota a sustentabilidade em 14 países, buscando redução de 20% do consumo de energia e de 30% de água. As soluções variam de país para país. No México, 80% de seus fornecedores já utilizam painéis solares. Na Costa do Marfim, um país pobre, a Nestlé apoia os produtores para obter o engajamento deles nas medidas, que custam caro.
O diretor de Operações de Trading da Starbucks, Tom Scharrrer, diz que a gigante das cafeterias pretende comprar 100% de café certificado em 2015.
Hoje, esse nível está em 93%, resultado de US$ 16,9 milhões investidos nas fazendas de seus fornecedores. “É de nosso interesse apoiar os fazendeiros, porque sem eles não estaríamos aqui”.
# Ex-ministro cobra infraestrutura
Apesar de ser o País com o maior potencial agrícola para as próximas décadas, o Brasil ainda não tem condições de atender os 40% de aumento da demanda mundial por alimentos, segundo o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, agora coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas.
Rodrigues, que participou do Seminário Internacional do Café de Santos, diz que o Brasil não possui infraestrutura para suportar esse aumento de produção e não tem estratégia comercial suficiente para fechar tantos negócios.
O ministro critica, por exemplo, o fato do Governo Federal contar com quatro ministros ligados ao campo. “Temos vários ministros ligados à agricultura disputando prestígio e verbas”.
Ele também defende a assinatura de acordos bilaterais para aumentar as exportações agrícolas. O governo segue o princípio de que esses tratados devem ser feitos por meio do Mercosul ou de rodadas mundiais. Porém, há membros do Mercosul, como a Argentina, que passam por problemas cambiais e inflacionários, que não têm como foco assinar essas parcerias. No momento, o Mercosul negocia com a União Europeia.
Segundo Rodrigues, os países fortes no comércio exterior buscam os acordos bilaterais. “Na política comercial, 40% do comércio mundial de alimentos são feitos por acordo bilateral. O Brasil é zero nisso”.
O ex-ministro conta ainda que a FGV vai entregar neste final de semana propostas de plano de governo do agronegócio para os três candidatos à presidência.
De acordo com ele, geralmente os candidatos presidenciais ignoram propostas do campo, mas desta vez os sinais são que de os políticos estão mais sensíveis às demandas do agronegócio.
# Sustentabilidade cresce e se dissemina na economia
A palestra de encerramento do Seminário Internacional do Café de Santos mostrou como a sustentabilidade se desenvolve na economia. A maior parte do avanço é fruto de ações civis ou de mudanças na legislação, mas o próprio setor privado acabou sendo beneficiado. É o caso do agronegócio da cana-de-açúcar, pressionado para acabar com a queima, que provoca emissão de gases no meio ambiente. A solução foi mecanizar a lavoura. Hoje a colheita mecânica já atinge 72% da produção.
A sustentabilidade da cana produziu benefícios em cadeia. A biomassa da palha antes queimada agora gera energia. O conselheiro da Copersucar, Gastão Mesquita, conta que o preço da tonelada do bagaço, por ter se tornado matéria-prima energética, já supera o da própria cana – pico de R$ 120 contra R$ 58. “A lei obrigou, mas quem se beneficiou foi o produtor, que só ganha com uma cadeia mais sustentável”.
O setor de tabaco, já pressionado pelos malefícios do fumo na saúde, também ganhou uma legislação rigorosa para reduzir o impacto ambiental. Iro Schünke, da indústria de Santa Cruz do Sul (RS), diz que as empresas desenvolveram um sistema integrado com o produtor para acelerar o resultado das medidas.
Os agricultores têm uma vestimenta para não se contaminarem nas colheitas e as indústrias recolhem embalagens de agrotóxicos. Já as propriedades de 16 hectares em média destinam 12% da área para eucaliptos e 18% de mata nativa.
O diretor de Marketing e Comercial da Sobloco, Luiz Augusto de Almeida, conta que a Riviera de São Lourenço, empreendimento da construtora em Bertioga, possui duas funcionárias com autonomia para identificar práticas no condomínio que não sejam sustentáveis.
# Crítica
“Na política comercial, 40% do comércio mundial de alimentos é feito por acordo bilateral. O Brasil é zero nisso”
“Temos vários ministros ligados à agricultura disputando prestígio e verbas”
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador de Agronegócio da FGV
# Tecnologia no café
- Riviera. No condomínio de Bertioga, prioridade para calçadas e bicicletas, diz o diretor da Sobloco, Luiz Almeida
- Cosméticos. A mineira Vanessa Vilela criou a Kapeh, cosméticos à base de café
- Cooxupé. Cooperativa prevê 20% dos sócios com produção sustentável, diz Edson Guerrero
- Cana. Segundo Gastão Mesquita, da Copersucar, colheita mecânica gerou emprego com capacitação