18 de maio de 2014

Às vésperas da Copa, o Museu Pelé - Diário do Comércio - 18/5/2014

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Diário do Comércio, São Paulo, 18/5/2014

André de Almeida

"Vai graxa, freguês?" Imagine hoje o espanto de quem teve seus sapatos lustrados, no início dos anos 1950, por um mirradinho garoto chamado Edson Arantes do Nascimento. Era assim que o futuro rei do futebol, então com uns dez anos, abordava seus clientes diariamente nas ruas de Bauru, no interior paulista. Era como engraxate que ajudava, mesmo que de forma modesta, os pais Dondinho e Celeste a complementarem a renda da família. Seu primeiro pagamento foi uma moeda de 400 réis, valor equivalente hoje a 50 centavos.

Tanto a moeda quanto a caixa de engraxate farão parte do acervo do Museu Pelé, em fase final de construção no Centro Histórico de Santos, no litoral de São Paulo, que deve abrir as portas nos primeiros dias de junho, às vésperas da abertura da Copa do Mundo. A expectativa é de que receba anualmente algo em torno de um milhão de visitantes, superando, inclusive, o Aquário Municipal, hoje o ponto turístico mais visitado da cidade.

As obras começaram há quatro anos e custaram cerca de R$ 46 milhões, entre o projeto de reforma e o restauro do Casarão do Valongo, imóvel do século XIX que já abrigou a prefeitura, a câmara municipal, um hotel, um bar e um restaurante. Após um grande incêndio na década de 1960, o prédio ficou abandonado, servindo se abrigo para moradores de rua e usuários de drogas.

VÃO LIVRE

O museu é formado por dois blocos interligados por um vão livre, coberto de vidro, que terá bilheteria, loja temática e uma cafeteria. Um dos prédios, no térreo, abrigará uma exposição permanente composta por uma linha do tempo, contando a trajetória do jogador por meio de fotos e vídeos. Perto dali, um holograma tridimensional de Pelé dará as boas-vindas ao público. "Este bloco terá sete mezaninos voltados a exposições temporárias. O complexo é climatizado, oferecendo segurança às peças do acervo, muitas delas raras", afirma Marcelo Aflalo, arquiteto responsável pelo museu.

A primeira exposição temporária, em cartaz até outubro, será "Quatro Copas e um Rei", com 80 peças que retratam as copas que Pelé disputou (1958, 1962, 1966 e 1970). "Falaremos também sobre a Copa de 1950, quando Pelé, vendo a tristeza de seu pai diante da derrota do Brasil, na final, para o Uruguai, prometeu que um dia ganharia uma Copa para ele", conta o jornalista e escritor Odir Cunha, diretor de Conteúdo do Museu Pelé. Outra mostra temporária, a partir da inauguração, trará 630 fotos de Pelé feitas por José Dias Herrera, que morreu em 2010 e é considerado o primeiro fotógrafo a fazer fotos do rei.

Para o futuro, Cunha planeja mostras que retratem o lado artístico do ex-jogador, que já se arriscou como ator, compositor e cantor, além de uma exposição sobre Pelé como cidadão do mundo. Durante sua trajetória de vida, o rei do futebol já esteve reunido com presidentes nacionais e internacionais, papas e outras personalidades.

MÉXICO

Em um dos mezaninos haverá uma exposição em homenagem ao México, onde, em 1970, o Brasil e Pelé se consagraram tricampeões mundiais. Como, coincidentemente, a delegação mexicana ficará hospedada em Santos e utilizará a estrutura do Centro de Treinamento (CT) Rei Pelé, está prevista uma visita ao museu antes do início do mundial. "A delegação deverá trazer também troféus e objetos para integrarem o acervo", diz Cunha.

O outro prédio do complexo terá três andares, sem mezaninos. No térreo, equipamentos e jogos multimídia. Em um deles, por exemplo, será possível simular a cobrança do pênalti do milésimo gol de Pelé contra o Vasco da Gama, em 1969. No primeiro pavimento, um auditório com 90 lugares e uma área educativa. Logo acima, funcionará a reserva técnica do acervo, a administração do museu e a 'Sala do Rei', para o uso de Pelé – seja para despachar quando estiver em Santos, receber visitas ou atender a imprensa.

ACERVO

A caixa de engraxate, com a qual trabalhava no começo da década de 1950.

O acervo do museu terá cerca de 2,4 mil peças catalogadas, que serão mostradas gradualmente em exposições temporárias. No primeiro semestre de funcionamento, por exemplo, serão em torno de 200 itens. Além de objetos pessoais, como as já citadas moeda de 400 réis e caixa de engraxate, haverá relíquias como uma réplica da taça Jules Rimet, entregue a Pelé pela Fifa e pelo governo do México em 1970, e a Bola de Ouro que o jogador recebeu da entidade este ano.

Entre as camisas, uma réplica do modelo azul da final da Copa de 1958, na Suécia, quando o Brasil ganhou seu primeiro mundial. "Nos foi oferecida a suposta camisa original daquela partida e que teria sido comercializada em uma loja na Suécia. Estamos verificando a origem da peça. Se comprovada, iremos adquirir", afirma Odir Cunha.

Também haverá pôsteres, revistas, livros, filmes, discos, troféus e camisas vestidas pelo atleta no Santos e no New York Cosmos, onde Pelé jogou no final de sua carreira, além da chuteira que usou na Copa de 1970 e a bola de seu milésimo gol. "A proposta é de que o museu seja dinâmico e esteja sempre se transformando, como algo vivo. O equipamento também contará, de certa forma, a própria história do futebol, configurando-se como um centro de estudos do esporte", explica Cunha. "A diferença para os outros museus esportivos é que este também prima pelo acervo pessoal do atleta, preservando suas raízes", completa Marcelo Aflalo.

Uma das novidades promete surpreender até mesmo Pelé. Segundo Odir Cunha, uma das projeções mostrará um gol feito pelo jogador, cuja gravação se julgava perdida há décadas. "Descobrimos após muita pesquisa. Só posso adiantar que o gol aconteceu durante um jogo internacional, no início dos anos 1960, e que é considerado uma das melhores exibições já feitas pelo jogador", diz.

RECONHECIMENTO

Parceiro de Pelé no Santos de 1956 até 1969, o ex-jogador Pepe, hoje com 79 anos, comemora a criação de um espaço cultural como o Museu Pelé. "Tudo o que for feito com relação ao rei e que fique para a posteridade é uma iniciativa completamente válida", disse. "Felizmente, junto com todo aquele time histórico do Santos, tive a oportunidade de participar de grande parte dessas conquistas e histórias que estarão no museu", completa Pepe, também conhecido como 'Canhão da Vila'.

Roberto Clemente Santini, presidente da Associação Comercial de Santos (ACS), também destaca a importância do museu. "Isto representa o reconhecimento da cidade ao melhor jogador de futebol de todos os tempos, que, embora tenha nascido em Bauru, acabou se tornando um santista por direito. Sem dúvida, ninguém projetou Santos pelo mundo como Pelé", afirma.

Quanto aos benefícios que o museu trará para a cidade, especialmente para o centro histórico, o dirigente acredita que será um fator indutor para novos investimentos privados e públicos na região. "Ao lado do Museu do Café, da região do Valongo e da sede principal da Petrobrás, o Museu Pelé colocará o centro histórico de Santos no roteiro cultural mundial", conclui Santini.

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