Marcos Troyjo - Professor do Ibmec-RJ e pesquisador da Universidade Paris V-Sorbonne
O Estado encontra-se em pronunciada transição. Transformam-se a matriz francesa de divisão entre poderes e o modelo anglo-americano de freios e contrapesos (checks and balances). Hoje, em diferentes nações, o Executivo julga. O Legislativo executa. O Judiciário legisla.
O espectro esquerda-direita, a nós legado pelos "Estados Gerais" que antecederam a Revolução Francesa, é demasiado simplificador. Já se diluíram fronteiras que assinalavam uma concepção de Estado maior e mais intervencionista e outra de menor presença no jogo socioeconômico e menos sensível à problemática social.
O liberalismo econômico se confunde com o renascimento keynesiano no âmago da Grande Recessão de 2008. Autocracias são crescentemente raras. A Primavera Árabe varre décadas de absolutismos. Cuba e Coreia do Norte são exóticas exceções.
Tamanho ou coloração ideológica do Estado são menos importantes para comunidades que se querem prósperas, justas e livres. O Estado tem de ser garantidor de liberdades individuais. Eficiente e indutor.
Em muitos países, entre eles o Brasil, o esvanecimento de macro-objetivos ideológicos, que povoaram sonhos políticos, tem esvaziado agendas mais ambiciosas. Seu lugar é ocupado por uma sanha regulatória que realça o pesadelo do Estado como fim, e não meio, da atividade humana. Não há nome melhor para essa tendência que "Nanointervencionismo estatal".
Nos últimos 10 anos, o Brasil editou cerca de 4 milhões de normas. Mais de 800 por dia. Uma a cada 2 minutos. Multas para pedestres. Pintar de amarelo fosforescente o rabo de animais que transitam à margem de estradas. Criação de áreas para pouso de OVNIs (sim, é verdade, lei do município de Barra do Garças, em Mato Grosso).
A esfera individual, célula-mãe da noção de "Ocidente", passa a gravitar em torno do Estado. Não a negação do indivíduo em nome de fins políticos messiânicos. Em vez da informação, a tutela. Em lugar do conselho, o arbítrio. A submissão do indivíduo a um Estado de elevada presunção moral.
Hipernormatizar as atividades de empreender, empregar, fumar, beber, fazer amor passam a consumir cada vez mais recursos humanos e materiais. No Brasil, há 180 empregados públicos para cada funcionário engajado em tarefas clássicas do Estado (política comercial, política exterior, defesa) ou de importante indução (ciência e inovação tecnológica).
O Estado hipercodificador é economicamente ilógico. Quanto mais tempo às voltas com nanointervencionismos, mais retroalimenta superpopulação de burocratas para formular, efetivar, julgar e auditar regulações. Não há carga tributária que aguente. A deseconomia contamina as empresas. Subtraem-se recursos produtivos para a adequação às nanolegislações.
A principal vítima é a própria noção de liberdade. Ela passa, de forma acessória, a significar simplesmente aquilo que não é proibido. Em vez de garantir espaço para criatividade, individualidade e tolerância - pilares que sustentam o conceito substantivo de liberdade.
Nos micro-arbítrios, deixa-se de lado algo além de produtividade e liberdade.
A sociedade brasileira perde tempo. Fica para trás na disputada corrida entre as nações mais competitivas.
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Marcos Troyjo é professor do Ibmec-RJ e pesquisador da Universidade Paris V-Sorbonne
Fonte: Brasil Econômico - 7/6/2011
07/06/2011