José Sarney - Presidente do Senado
A nossa presidente fez mais uma viagem internacional. Quem conhece os hieróglifos da diplomacia sabe de saída que essas andanças são repletas de simbolismo e prioridades. A Argentina, mais fácil de desvendar, pelos motivos mais que evidentes de ser nosso parceiro na dimensão geográfica do Cone Sul.
Ninguém pode abolir a geografia, não só nossas fronteiras, mas o Mercosul, os acordos bilaterais e tudo mais que representa nossa ligação, cheia de hipotecas históricas e de trocas vivas no presente.
A China já é mais complexa, porque é uma mexida de pedra que tem estratégias não expressas, para que não possam ferir susceptibilidades americanas e européias, uma vez que está em jogo a disputa de quem vai guiar o futuro da humanidade, econômica e politicamente. Mas esta é uma questão muito ampla que necessita de maiores análises e previsões.
Duas coisas pontuais estavam na mala da viagem de nossa tão simpática presidente - avaliação que agora não expressa só meu sentimento pessoal de longo tempo, mas o da população inteira do Brasil, aferida nos índices de sua popularidade - e que ela vitoriosamente conduziu: a primeira, e mais difícil, a nossa aspiração de fazer parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas; e a outra a de conseguir dos chineses um melhor tratamento e abertura para nossas empresas se instalarem na China.
Diga-se como caso mais visível a Embraer. Trouxe também investimentos diretos no Brasil, como a megafábrica de tablets iPad que a Foxconn promete instalar.
Do lado chinês, a reivindicação de ser considerada uma economia de mercado, com o seu complicado duplo sistema: capitalismo e socialismo de estado.
Isto foi aqui proclamado pelo presidente Lula, quando o presidente chinês Hu Jintao visitou o Brasil. Tanto do lado chinês como do lado brasileiro, as duas questões não eram pacíficas nem fáceis. Do lado chinês, o Conselho de Segurança é um tabu, pelas suas restrições à entrada dos japoneses e à modificação do modelo construído após a Segunda Guerra Mundial.
A outra questão expressa também a dificuldade da burocracia ideológica do colosso asiático em aceitar que sua economia seja invadida por concorrentes desejosos de usufruir sua mão de obra barata e seu yuan apreciado.
Do lado brasileiro o reconhecimento da China como economia de mercado tem uma reação grande do empresariado, ouriçado com a invasão chinesa - mais passional por parte da indústria têxtil e dos fabricantes de outros produtos manufaturados. Esta reclamação é do mundo inteiro.
Agora, de volta ao Brasil, a presidente Dilma vai ter que lidar com os desafios de nosso sucesso, como equilibrar o crescimento, inclusive de demanda, e a inflação, fantasma que sempre preocupa aqui no Brasil - e agora também ameaça com força a economia da China e indiretamente do mundo.
A presidente Dilma sai de Pequim com os trunfos da vitória. A China aceita o Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Embraer instala-se no sedutor e rico mercado chinês. Foi hábil e soube negociar. Seu lado de mulher deve ter facilitado as negociações e os resultados. Nota 10.
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José Sarney é presidente do Senado
Fonte: Brasil Econômico - 20/4/2011
20/04/2011